Bemdito

Sinhá, limpe sua sujeira!

Ex-BBB e digital influencer, Adriana Sant'anna reproduz herança colonial ao reclamar de empregadas domésticas nos EUA
POR Izabel Accioly

Uma mulher branca grava um vídeo para o seu perfil em uma rede social. Em aparente desespero, clama aos seus seguidores que encontrem “um anjo” que “limpe, lave, passe, guarde, cozinhe e olhe as crianças”. O nome da mulher é Adriana Sant’anna, ex-BBB e digital influencer, que se mudou recentemente para uma mansão de sete quartos na Flórida (EUA).

O vídeo em que expressa seu sofrimento por não possuir uma empregada doméstica é um retrato da saudade colonial característica da elite branca brasileira. Essa nostalgia é uma das maiores heranças coloniais. Uma memória ainda tão viva e um anseio de que “as coisas voltem a ser como antes” são expressões do desejo de continuar a dominar, explorar e coisificar pessoas negras.

No vídeo, apesar de afirmar que paga bem pelo serviço prestado, Adriana se queixa quando as trabalhadoras cobram um valor extra para fazer algo que não está incluso em suas atribuições. Expressa o choque cultural que sentiu ao comparar o trabalho doméstico no Brasil e nos EUA:

“No Brasil a gente estava feito! Uma pessoa lá com a gente fazia tudo. Aqui, pra passar, 25 dólares a mais. Pra dobrar, 25 dólares. Pra esticar o braço, mais 10 dólares. É assim! Você, que tem alguém no Brasil, ajoelha e agradece a Jesus. Aqui nos Estados Unidos é diferente. Quando cheguei aqui, fiquei louca!”. A experiência de delegar os serviços domésticos é extremamente recorrente entre a elite branca brasileira. A loucura que Adriana menciona é motivada por se ver agora responsável por realizar a limpeza da sua própria casa.

Esse trabalho continua a ser visto como inferior, ainda é absurdamente precarizado e tem fortes semelhanças com o período escravocrata. Querer que uma pessoa esteja sempre a sua disposição para realizar todo tipo de serviço doméstico, recebendo baixa remuneração, é uma triste herança colonial. A Casa Grande surta quando precisa limpar sua sujeira.

Izabel Accioly

Mestra em Antropologia Social pela UFScar, é pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Relações de Poder, Conflitos e Socialidades da USP/UFScar.