Sob o desgaste do governo, a terceira via se move
As denúncias envolvendo suspeitas na aquisição de vacinas contra a Covid-19 embalaram as duas últimas semanas da política nacional e arrastaram o governo Bolsonaro para uma associação direta com escândalos de corrupção na agenda midiática brasileira.
Parece a crônica de uma morte anunciada, um governo que chegou ao poder bradando um discurso anticorrupção tão voluntarista, antissistêmico e virulento, emaranhado em suspeitas de corrupção envolvendo propostas de compras ministeriais superfaturadas. Tudo isso conduzido por um funcionário do governo indicado por lideranças do Centrão.
O impacto da associação do governo federal com supostos escândalos de corrupção envolvendo a aquisição de vacinas foi expressivo em virtude da comoção gerada. Especialmente em um país em que a média de mortes diária ainda orbita na faixa de 1,5 mil.
Das denúncias veiculadas, desdobraram-se dois fatos que atingiram fortemente Bolsonaro: a) abertura de inquérito para investigar suposta prevaricação do presidente no caso da Covaxin; e b) apresentação e protocolo de pedido de impeachment suprapartidário, contando com lideranças da esquerda à direita, inclusive, ex-aliados do presidente.
Para culminar, no dia 3 de julho, as manifestações ocorreram novamente em várias cidades do país. Dessa vez, com o apoio e a adesão de agentes políticos que não estiveram presentes nas mobilizações anteriores, como dirigentes e filiados do PSDB-SP.
É importante notar que há um potencial de aprofundamento do desgaste do governo nas revelações que vieram à tona. Com as ações da CPI, e sua provável prorrogação por mais 6 meses, as denúncias podem tomar os contornos de escândalo político-midiático, com cobertura exaustiva, sobre um tema extremamente desfavorável ao presidente e seu governo.
Contando com o desgaste acima narrado, os atores políticos da chamada terceira via voltaram-se mais incisivamente para a expectativa de romper a “polarização”: Lula x Bolsonaro em 2022. Neste caso, ocupando o lugar que seria do atual presidente.
Eduardo Leite e Ciro Gomes
Desse universo de pré-candidaturas, uma teve bastante destaque na última semana: Eduardo Leite (PSDB). As ações do pré-candidato revelam como estratégia central, na terceira via, os movimentos na tentativa de avançar sob novo eleitorado com vistas à competitividade no campo.
Eduardo Leite ocupou a cena pública, na última semana, após tratar de sua orientação sexual num programa de entrevistas na TV. A repercussão foi colossal, com os meios de comunicação enfatizando o pioneirismo do ato e o amplo debate entre os que o elogiavam e destacavam a importância da entrevista e os que questionavam seu apoio a Bolsonaro em 2018.
Numa perspectiva geral, Leite teve ampla cobertura favorável, mobilizando assim um interesse positivo em torno do jovem governador tucano. O efeito da entrevista foi tão vantajoso para Eduardo Leite, que logo se discutiu sobre os prejuízos para João Doria, seu concorrente direto nas prévias do PSDB.
Logo emergiram também os questionamentos sobre a intenção eleitoral em anunciar publicamente sua homossexualidade. Tais dúvidas buscavam revelar as intenções do movimento de Leite: além de se distanciar de Bolsonaro, aproxima-se de um eleitorado mais progressista em termos de valores.
Não podemos corroborar, porém, que um político afirmar-se homossexual traga efeitos necessariamente positivos à sua campanha no Brasil atual. Em entrevista à Revista Piauí, o governador do Rio Grande do Sul declarou que estava preparado para lidar com os ataques homofóbicos de Bolsonaro e de seus aliados e seguidores. Afirmou que em outros momentos já sofreu “ilações, brincadeiras e ataques grosseiros”.
Sobre sua pré-candidatura à presidência, afirmou que tem as credenciais para ser o candidato que pode pôr fim à “polarização” e “recuperar no eleitor a esperança e o sonho”. Entre seus trunfos, Leite aponta seu estilo conciliador. Como horizonte, indica a ação política que pretende construir: “um projeto com eficiência da máquina, que se atribui à direita, com a tolerância e o respeito às pessoas que se atribui à esquerda”. Num aceno claro a demandas progressistas.
O movimento de Leite, ao incorporar pautas da esquerda ao seu “projeto para o país”, lembra a estratégia que Ciro Gomes, seu concorrente no campo da terceira via, vem promovendo em sentido oposto, nos últimos meses. Como bem analisou Monalisa Torres aqui no Bemdito, o ex-ministro tem acionado um forte discurso antipetista com o intuito de amealhar votos na direita. Como exemplo, na última semana, Ciro Gomes, em entrevista ao Canal UOL, reforçou sua estratégia afirmando que “Lula é o maior corruptor da história moderna da política brasileira. […] Apodrece onde coloca a mão. Eu sei que ele é corrupto”.
Os movimentos de Ciro Gomes caminhando em busca de votos na direita e de Eduardo Leite acenando para os setores progressistas demarcam que a competividade interna pode estar aumentando no âmbito da terceira via. O motivo mais evidente: o presidente encontrou alguns obstáculos severos em seu percurso até 2022. Os escândalos não são facilmente contornáveis, especialmente, com os trabalhos da CPI dedicados a investigá-los.
As apostas de Ciro e Leite são, por sua vez, arriscadas. Envolvem aspectos de suas imagens públicas que podem afetar diretamente a adesão de setores específicos do eleitorado. Só o tempo nos dirá se alguma dessas estratégias surtirá o efeito pretendido: conseguir um lugar competitivo na disputa de 2022.