Sobre intelectuais, geeks e um doloroso despertar tardio
No meio da cacofonia da internet, ainda há espaço para a ciência e para os intelectuais forjados na academia?
Cláudio Sena
claudiohns@gmail.com
É o que muito se vê na Internet: intelectuais desengonçados nas redes sociais correndo atrás do prejuízo deixado pelos rastros dos fajutos catequistas doutores na arte de enganar os mais novos interessados em política. De um lado professores com décadas de pesquisas científicas encontrando pela frente o desafio de lançar-se na “competição” frente aos manipuladores de robôs de ideias mastigadas e fáceis. Aí fica difícil para qui-quadrado, análises semióticas e surveys. Com podcasts, gifs, memes, hemeroteca de Whatsapp, dança de TikTok e tudo mais, os Fulanos nadam de braçada, enquanto os antigos donos do saber debatem-se fora d’água. Sacanagem. Opa, mas não era esta a democratização da Internet que desejávamos: todos com voz e vez?
Uma pena o rumo tomado, mas agora o estrago está feito. São milhões que encontraram quem os recebessem ou quem os buscassem de braços abertos para ofertar teorias e soluções simplificadas em formatos cada vez mais atrativos, com continuidade e repetição necessárias. Verdadeiras poções mágicas, armadilhas. Se bobear, o mais informado pega-se consumindo conteúdo político de partidos Novo e novos, promessas de resultado imediato para problemas de séculos e séculos. Ora, até eu continuo, às vezes por curiosidade, às vezes por masoquismo, a dar uma chance e emprestar ouvidos e olhos diante de um conteúdo tão sedutor que vem a mim de mão beijada e higienizada com álcool 70 no conforto do meu celular.
De um lado, um colóquio, mais para monólogo, em torno do clássico 18 de Brumário de Luís Bonaparte. Na outra ponta, um curso de filosofia recheado de palavrões, fotografias photoshopadas, vídeos aftereffectizados, conteúdo com retorno garantido aos que compram e aos que vendem. Fórmulas mágicas para problemas complexos, conclusões para inconclusões que atravessam a tradição escolástica. O antropoceno desvendado pelos reels do Instagram, releituras acochambradas de livros sagrados, tudo embalado, revestido pela camada mais lustrosa da sedução.
Ao final, o que restaria aos intelectuais de hoje ainda forjados nas antigas formas? Comprar a briga e apostar nas antigas fórmulas ou juntar-se aos métodos geeks, nerds e coisas do gênero? Ou mesmo, não decidirem nada e deixar acontecer, já que isso, supostamente, não os caberia. Seria muito arriscado, visto o ocorrido nos últimos anos? Lembro-me de um congresso de que participei lá por volta de 2010. Um dos professores falava de sua formação na França e dizia: “quando um professor da Sorbonne falava, a sociedade parava para ouvir o que ele tinha a dizer sobre tal fato”. Eu sei, não estamos na França, nem na década de 90. Porém, vem-me agora a pergunta: quem vai ouvi-los? Logo agora, que a gente precisa tanto deles.
Cláudio Sena é doutor em sociologia e professor.