Temos razão para duvidar da Anvisa?
Os governadores do Nordeste levantam dúvidas sobre a credibilidade da Anvisa. Afinal, temos boas razões para desconfiar da agência?
Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com
Na última segunda-feira, 26, a Anvisa atendeu ao prazo designado pelo STF para se manifestar e negou autorização para importação da vacina Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya e comercializada pelo Fundo Soberano da Rússia.
A decisão frustrou os governadores do Nordeste, que já negociaram a compra de milhões de doses do imunizante, a fim de vacinar de forma massiva e rápida a sua população. Ao que tudo indica, a região Nordeste participará mais um episódio infeliz de politização indevida dos esforços de imunização.
Vejamos algumas declarações. O governador do Ceará, Camilo Santana (PT), confessou em suas redes sociais “decepção e estranheza” com a resposta da agência. Rui Costa (PT), da Bahia, em entrevista, pediu maior “boa vontade” da Anvisa, indicando que a autarquia tem se comportado com apatia e falta de senso de urgência. O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), por sua vez, declarou: “precisamos saber quem está com a verdade”, fazendo coro aos demais. Todos levantaram dúvidas sobre as motivações dos técnicos da agência, sugerindo o interesse da Anvisa em criar obstáculos à utilização do imunizante.
A suspeita dos governadores não faz sentido, sobretudo se observarmos a atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária nos últimos meses e acompanhado como ela tem conduzido a aprovação não só da Sputnik V, mas de todos os demais imunizantes.
No caso do produto russo, a agência explicou de forma bastante detalhada a razão de sua negativa: faltam informações sobre segurança. Não foi uma negativa em definitivo, mas a indicação de que a urgência não pode levar o país a abrir mão do cuidado com qualidade, segurança e eficácia.
Segundo nota publicada pela Agência, as documentações apresentadas pelo Instituto Gamaleya apontam falhas no desenvolvimento e na produção da vacina e indicam a presença de vírus replicante no produto, o que, segundo a Anvisa, pode causar danos em pessoas com baixa imunidade. De acordo com a justificativa, o produtor da vacina não apresentou testes sobre a toxidade reprodutiva da Sputnik V e ainda persiste um desconhecimento significativo sobre seus potenciais efeitos adversos.
A inconsistência dos dados do imunizante produzido na Rússia parece ser a principal causa para que as agências de vigilância europeia, japonesa e americana ainda não tenham autorizado o uso da vacina.
É por essa razão que o principal argumento dos governadores – o de que o produto já é utilizado por mais de 60 países, inclusive Argentina – deve ser compreendido com reservas, porque é insuficiente. Isso porque, embora o número de países seja significativo, boa parte da lista não conta com mecanismos de vigilância de segurança sanitária tão rigorosos quanto os do Brasil.
Quando conduziu com cuidado e responsabilidade o processo de aprovação da Coronavac – a mais politizada das vacinas –, a Anvisa deu boas provas ao país de que está disposta a se comportar como agência de estado séria e profissional.
Ao levantar suspeitas sobre o trabalho da autarquia, os governadores acabam por colaborar para o enfraquecimento das instituições que existem para nos proteger de quem nos governa mal.
Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.