Bemdito

Tudo que prometi ao mar

É preciso aprender a boiar para não afogar o sonho
POR Iana Soares

É preciso aprender a boiar para não afogar o sonho

Iana Soares
ianascm@gmail.com

Soube dos peixes abissais muito cedo. Antes de me apegar a qualquer princesa ou príncipe, fiquei fascinada por esses bichos que parecem inventados, pois fazem, do real, o seu absurdo cotidiano. Bocas imensas, dentes horríveis, corpos transparentes e uma lanterninha pendurada na cabeça. Não são agradáveis, fofos ou fáceis, eu sei, mas a informação de que são capazes de existir a mais de quatro mil metros de profundidade, contrariando lógicas e expectativas, ainda me ajuda a respirar nos dias de pouco fôlego. Mesmo sem ter segurado um entre as mãos, confiei nas primeiras imagens que vi. 

Sou da beira e não sou peixe, é preciso advertir. Nunca serei tão profunda como as criaturas abissais. Não ilumino o breu com o próprio corpo, nem sou capaz, muitas vezes, de enxergar em condições adversas. Penso nisso enquanto boio. É a primeira vez que conjugo tal verbo em uma página. Embora tenha uma tendência a exaurir braços e pernas, em episódios de afogamento descobri que nem sempre devo tentar nadar. 

Barriga para cima. Alguma reserva de ar dentro de mim, braços abertos, olhos fechados. Abro, lentamente, para ver os dez dedos que emergem. Os pés encostam no horizonte. A maré começa a encher e fico, ali, no vaivém do oceano. Consigo boiar. Eu, que não chamo Deus pelo nome, crio pequenas orações submarinas. Faço juras de sobrevivência, prometo não me afogar. Quero, mas não peço nada. Observo alguém que entra no mar e não me enxerga. Compartilhamos uma e outra onda, mesmo que ele não saiba. Não estou sozinha. Há muitas maneiras de rezar. 

Saio da água. Com os olhos, mergulho onde o mar apenas encosta. Lembro outra vez daqueles que tateiam o infinito, rodeados pelo abismo e pela escuridão. Imagino como seria se pudessem me observar de um avesso tão desmedido. O que diriam? Talvez se perguntassem: como ela consegue sobreviver na superfície do mundo?

Iana Soares é jornalista e fotógrafa. Está no Instagram.

Iana Soares

Jornalista, fotógrafa e professora, tem mestrado em Criação Artística Contemporânea pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona e atualmente coordena o Programa de Fotopoéticas da Escola Porto Iracema das Artes.