Uma dose de coragem

Coragem é um negócio que a gente não acha. Ela dá na gente. Penso que ela anda ali, lado a lado com a inconsequência, pertinho do desespero, quase junto do leviano. Dá até pra procurar, mas não dá pra saber quando ela vai chegar. Porque pode, sim, ser na busca, mas é possível que ela chegue só depois que você já cansou de persegui-la. E quando você acha que não tem mais onde caçar, é quando percebe que ela tava bem ali, embaixo das suas venta, e nessa hora você lembra da anedota do se fosse uma cobra. Faz até sentido, coragem pode ser tal qual uma cobra, que fica ali se esgueirando, só esperando a hora certa de aparecer. E quando aparece é no susto.

Tem quem tenha medo de cobra. E quem tem medo de ter coragem. Mas, no fim, não existe coragem sem medo. O cabra mais corajoso que você pode conhecer, no fundo, é capaz de ser mesmo um baita medroso que sabe disfarçar bem. A gente nunca sabe. Mas sabe que eles andam ali, lado a lado, coragem e medo. Medo e coragem.  

Eu sei é que não conheço coragem planejada, só a do impulso, aquela do respirar fundo e se jogar. Porque se pensar demais, ah, se pensar um pouquinho a gente não pula. Que aí dá tempo de calcular os riscos, de avaliar os danos, de questionar a decisão.  O planejado é organizado, tem data, prazo, limite. E coragem é o caos. É o fora da curva, é o mergulho profundo, é a corrida em piso irregular, é o pé descalço, é a cabeça na nuvem.  Coragem é fechar os olhos para acreditar, em vez de abrir para tentar enxergar.

O Guimarães Rosa até disse, né, que é o que a vida quer da gente. Ela nem pede, que pedir é gentil, ela exige e nem espera a gente se preparar. É que não dá tempo de se preparar pra chegada da coragem, que a vida tá o tempo todo ali exigindo a presença dela e é preciso escancarar as passagens pra ela não se perder na chegada. Há que peça uma dose. Pode parecer pouco, mas se for tomar duma talagada, das que arranha a garganta, o efeito pode ser tão poderoso quanto aquelas doses de cachaça. É que coragem pode até arder, a gente solta até uma arfada no final, mas depois respira, acha graça e pede até mais uma.

Esses dias tomei minha dose de coragem. Pelo menos é o que dizem que foi. Eu digo que… nem sei dizer. Só sei que foi. Que a vida pediu, eu ouvi, fechei olhos e nariz, e botei pra dentro. Ainda tô na fase do ardor, mas espero poder já, já abrir os olhos, sorrir aquele sorriso do eu consegui e dizer: manda mais, que hoje eu tô com sede de coragem!