Bemdito

Sua Majestade, Mara Alexandre

Principal destaque da Quadrilha Ceará Junino desde 2013, Mara cruza diferentes experiências de dança e se afirma como expoente de tradição popular e pop
POR Magela Lima
Foto: Jeff André

No reino dos espetáculos dramáticos populares, ela é rainha absoluta. Cearense de Fortaleza, nascida e criada pelas bandas do Presidente Kennedy, Mara Alexandre tem, nas veias, um tanto de sangue de Itapiúna e outro tanto de Quixadá. Talvez por isso o compromisso com a tradição, desde sempre, tenha sido levado tão a sério, mesmo quando o assunto era festa e brincadeira. Na casa de Dona Joana e Seu Luiz, a regra era bem clara: os filhos, ainda muito miúdos, deviam todos ser apresentados ao universo dos folguedos populares. Mara, das mais novas, mal andou e já seguiu os passos dos irmãos nas quadrilhas juninas. Aos sete anos, competia como brincante do grupo Puxando Fogo.

Hoje, com 35, ela é estrela de primeira grandeza do movimento junino do Brasil. Como integrante da Quadrilha Ceará Junino, uma das mais premiadas no disputado circuito dos festivais, Mara Alexandre é expoente de uma geração que viu e sentiu a tradição popular se amodelar aos tempos atuais. Ela carrega no corpo a transformação das quadrilhas estilizadas, mas diz que o amor é o mesmo de sempre. Mara tem plena consciência de que ajudou a tradição a seguir novos rumos, reconhece que a simplicidade vem sendo vencida por um excesso de sofisticação, mas não vê esse movimento como propriamente um problema.

Para Mara Alexandre, o São João se confunde com a vida. Antes mesmo de ter idade para engrossar o elenco infantil da Puxando Fogo, ela já fazia pequenas participações especiais. Sem nunca ter sido destaque como noiva, ela se tornou uma celebridade dos festejos juninos como um modelo de rainha. Além do casal, o enredo das quadrilhas tem outros pilares de sustentação: o regional, o marcador e a rainha. A realeza de Mara Alexandre começa em 1994, ainda na Puxando Fogo. Em 2004, ela troca de agremiação, ingressa na Ceará Junino, mantendo o sonho de voltar a dançar como rainha. Esperou até 2013. Desde então, não largou mais o papel.

Dançarina versátil

Enquanto ia se firmando na tradição junina, Mara Alexandre foi se apaixonando por outras danças. Primeiro, veio a dança de salão. Com ela, experimenta o rigor dos palcos teatrais pela primeira vez. Com o tempo, Mara sentiu necessidade de experimentar seu corpo em linguagens da dança cênica. Conhece o balé clássico pela inventividade e talento de ninguém menos que Anália Timbó, graças ao importante trabalho da Associação Vidança. Daí em diante, joga com diferentes códigos. Mara Alexandre é formada pelo Curso Técnico em Dança, do Porto Iracema das Artes, e está concluído a graduação em Dança pela Universidade Federal do Ceará. 

Misturando todas essas referências, Mara criou uma dança própria.  Ela já não se esforça tanto para saber onde termina a dança tradicional popular e onde começa a dança cênica. Tudo é dança. O fato é que, nesse lugar muito particular onde cria, Mara Alexandre é única. Ícone de um popular que se aceita e se apresenta cada vez mais pop, ela transformou o solo da rainha, tradição das mais recentes inventadas pelos brincantes de São João, num espetáculo à parte. Apostando na improvisação, Mara Alexandre, sozinha, enche quadras esportivas e ginásios, com uma dança de muito vigor e movimento. 

Surda desde os 12 anos, Mara Alexandre se fez bailarina enquanto aprendia a escutar através do olhar e do contato com os pés no chão. Pior que não voltar a ouvir, seria parar de dançar. Superando medos e censuras, Mara desenvolveu uma consciência corporal tão grande, que ela, com sua perda auditiva bilateral profunda, chega a orientar os músicos responsáveis pela execução das trilhas de seus números. A tradicional zabumba é sua guia nas noites de São João. Se tudo der errado, Mara se guia pelo calor intenso e vibrante do público que conquistou ao longo de todos esses anos.   

O sucesso de Mara Alexandre é tamanho, que hoje ela ministra oficinas para grupos juninos do país inteiro. Toda menina sonha em ser uma Mara Alexandre. Dançando, Mara se fez uma diva. Ela tem milhares de seguidores nas redes sociais, dá autógrafos por onde passa, usa figurinos caríssimos, que chegam a custar quatro vezes mais que os usados pelos demais integrantes. Basta a Ceará Junino ser anunciada em alguma programação, que os fãs se mobilizam para assistir às suas apresentações, seja onde for. Mara, aliás, espelha a quadrilha de que se orgulha por compor o grupo fundador. A Ceará Junino só não tem mais prêmios que brincantes!

Do São João dos vestidos de chita, Mara Alexandre tem mais orgulho que saudade. Ela entende que aquela experiência ingênua, familiar, é que dá verdade e intensidade ao espetáculo grandioso que hoje protagoniza. Longe de polêmicas, Mara vê sua tradição de menina viva e potente onde os críticos mais puristas enxergam descaracterização. Ela sabe bem que a grandiosidade dos festejos juninos contemporâneos carrega um mundo de outras tradições que seguem nos ajudando a celebrar a vida e demarcar o tempo. Viva, São João! E viva, Mara Alexandre!

Magela Lima

Crítico e pesquisador de teatro, tem mestrado e doutorado em Artes Cênicas.