Bemdito

E o Huck preferiu o Domingão

O fim da grande esperança branca: Luciano Huck anuncia que não vai ser candidato em 2022
POR Jáder Santana

Durou pouco o ânimo político de Luciano Huck. Aspirante ao cargo máximo do Brasil, voltou atrás e preferiu o cargo máximo dos domingos. Sai Faustão, entra Huck. Nossos domingos nunca mais serão os mesmos, exceto que sim, serão os mesmissimos. Afinal, não se muda o domingo, essa instituição familiar nacional, de uma hora para outra. Trinta e dois anos e mais de mil e seiscentos domingos. O legado de Fausto Silva. 

Huck deixa para trás seus vinte e um anos de sábados e os mais de mil caldeirões. Deixa para trás os acorrentados e o lata velha, assim como deixou para trás Tiazinha e Feiticeira. Aécio Neves, Joesley, Sérgio Moro e Chico Rodrigues. Os da propina, o parcial e o da cueca. Todos abandonados, apagados, liquidados pelo ator de Xuxa requebra e Um show de verão. Huck é mestre na arte de deixar para trás, apaga seu passado à velocidade de um clique. Aquela foto no Instagram: agora você vê, agora não vê mais.

Reproduzindo os delírios megalomaníacos de um Kanye West – dois ególatras: o de lá, pelo menos, um ególatra talentoso -, Huck tinha tudo para ir muito além dos 0,2% (ou 60 mil votos) do rapper de Atlanta. De acordo com a pesquisa de intenção de voto PoderData, divulgada na última sexta-feira, 11, o apresentador seria a única opção para 11% dos eleitores. 35% dos entrevistados declararam que “poderiam votar nele”. Huck é o grande nome da tão falada terceira via, ao lado de um Ciro Gomes cada vez mais arrivista e de um João Dória que ainda surfa a boa onda de sua campanha de vacinação. 

Huck, assim como Silvio Santos em 1989 e Donald Trump na última década, vem caminhando em largos passos mal dissimulados rumo ao núcleo das grandes ofensivas políticas. Desde sua aberta campanha pela eleição de Aécio Neves, em 2014, o apresentador vem construindo, amparado pelo assistencialismo espalhafatoso de seu programa e pela imagem angelical (com o perdão do trocadilho) de sua imaculada família, uma alegoria da grande esperança branca: o neoliberal equilibrado, o líder justo, o conservador progressista pero no mucho

Acostumado desde meados dos anos 1990 aos holofotes, Huck se sente confortável na confusão delirante de suas referências: os gritos do auditório se confundem com os gritos da rua, a capacidade de conduzir as duas horas de um programa ao vivo equivalem à aptidão para comandar o país. As mesmas competências, a mesma ovação, o mesmo poder. Tanto é assim que Huck vem se sentindo cada vez mais confortável em seu périplo pelos bastidores da política, posando com figurões, soltando elogios calculados, agindo como membro da irmandade. 

Mas quem se acomoda, escorrega. E as incongruências de Huck, no nível do discurso, são cada vez mais evidentes e alarmantes. Inesquecível seu artigo publicado na seção Tendências / Debates da Folha de S. Paulo, em 5 de fevereiro do ano passado, quando a ideia de sua candidatura parecia mais forte do que nunca. Quando fala da eleição de Jair Bolsonaro, Huck escreve que ela “revelou a extensão e a gravidade da insatisfação dos brasileiros.” Em seguida, fechando os olhos para tudo o que o presidente já havia feito e desfeito até a data, avaliou: “com um ambiente tão polarizado, é natural que as opiniões se dividam sobre se Bolsonaro vai conseguir cumprir suas promessas de tornar o Brasil melhor.”

Na entrevista que concedeu a Pedro Bial na noite de ontem, 15, Huck afirmou – sem polígrafo que o confirmasse – que havia votado em branco nas eleições de 2018. Ah, as palavras. Em outubro de 2018, em live com seguidores do Facebook, o apresentador declarou, sobre Bolsonaro: “Tem uma chance de ouro, né, de ressignificar a política no Brasil. Vamos ver, vamos aguardar.” Sua afirmação foi eternizada no dia seguinte, na mesma Folha de S. Paulo que vem usando como palanque para sua demagogia ensaiada.

A ida de Huck para os domingos da Globo deve ser comemorada duplamente. Primeiro, porque nos livra da institucionalização de sua presença nas eleições de 2022. Ele certamente estará por lá, papagaiando seus candidatos favoritos, mas o “eleitor Huck” é muito menos problemático que o “candidato Huck”. Segundo, porque assumir aquele que talvez seja o mais conservador dos programas da Globo, no dia mais conservador da semana, é a melhor e mais honesta moldura para seu personagem, que foi tão bem nomeado no fim dos anos 1990 como “fazendeiro de bundas”.

Jáder Santana

Editor executivo do Bemdito, é jornalista e trabalhou como repórter e editor de cultura do jornal O Povo, onde também integrou o Núcleo de Reportagens Especiais. É curador da Festa Literária do Ceará e mestrando em Estudos da Tradução pela UFC.