Os (des)caminhos do PSDB
Os movimentos políticos das últimas semanas ligaram o alerta de que 2022 está logo ali. As migrações de Marcelo Freixo e Flávio Dino, do PSOL e PCdoB respectivamente, para o PSB; a retirada da candidatura, esperança da terceira via, por Luciano Huck; e a expulsão de Rodrigo Maia do DEM são evidências de que os atores políticos e as instituições partidárias estão a mover-se mais rapidamente no sentido dos cálculos e projetos para a disputa vindoura.
Em meio a essa movimentação, um evento ganhou destaque: a definição do PSDB sobre as regras das prévias para a definição da candidatura à presidência pelo partido. Temos, então, uma admissão pública de disputa interna em um partido que até pouco tempo parecia ter um candidato natural: o governador João Doria. Foram reveladas ainda as nuances da dinâmica conflitiva que se desdobra em torno da reconfiguração e dos rumos do partido que vem sofrendo agruras nos últimos anos.
O PSDB se constituiu, ao longo do recente período democrático, como um dos mais relevantes partidos do sistema político nacional. Sua rápida chegada ao Executivo federal em 1994, com continuidade assegurada em 1998, permitiu uma consolidação e expansão significativa de cargos executivos e legislativos nos diversos níveis, dando mais robustez ao partido. Ao longo dos anos de domínio petista, o partido passou por desafios na construção de sua identidade oposicionista a nível programático, mas ainda assim garantiu sua viabilidade como o polo opositor nas disputas eleitorais nacionais.
Nos últimos anos, no entanto, o PSDB viveu uma montanha-russa política. O partido saiu, em 2014, de sua performance mais competitiva diante de um petista, após a ascensão destes ao Executivo federal, para o pior desempenho de um tucano nas eleições presidenciais, em 2018. O fiasco na disputa presidencial e a brusca queda na eleição legislativa para a Câmara Federal, na qual o partido perdeu 25 cadeiras, colocaram a necessidade de avaliação premente para tucanos sobre os rumos a seguir. Se 2018 foi uma eleição crítica que abalou o sistema político nacional, o pleito trouxe consequências avassaladoras para o PSDB.
João Doria
Uma liderança, no entanto, se destacou em meio ao caos em que mergulhou o PSDB: João Doria. O governador de São Paulo rapidamente buscou consolidar maior influência perante o partido. Seu nome passou a ser cotado publicamente como provável candidato ao Planalto para 2022.
Doria, por seu turno, não se fez de rogado. Sua gestão seria a vitrine e o esteio da candidatura. As discordâncias com o presidente, que se aprofundaram com a pandemia e a corrida pela vacina, viabilizaram a condição de pré-candidato publicamente. A batalha do governador passou, portanto, a ser travada internamente em seu partido.
A resistência a João Doria no PSDB é atribuída, especialmente, ao seu estilo de liderança. Correligionários do governador geralmente o descrevem como alguém a quem falta habilidade política para a construção de alianças dentro da própria sigla.
Isso seria fruto de seu voluntarismo político, que se expressa em intervenções e atropelos quando da condução de questões internas. Fato é que a resistência gestou uma oposição no partido que frustrou os planos de Doria: a consagração como pré-candidato não viria de bandeja. Não haveria vacina para prevenir a disputa.
Para fazer frente à influência de Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, entrou em cena e se colocou à disposição do partido para o cenário de 2022. Por incentivo de outros tucanos, também passou a circular a possibilidade de uma candidatura do senador Tasso Jereissati (CE). Com a emergência das opções e como forma de conduzir as disputas internas, o partido resolveu optar pela realização de prévias.
As regras para a disputa interna foram definidas no último dia 15 de junho, não sem profundas divergências entre as lideranças tucanas. A principal delas dizia respeito ao peso percentual que cada grupo de votantes teria no processo. João Doria defendia maior peso para os(as) filiados(as) sem mandato, grupo que virtualmente lhe daria vantagem.
Todavia, frustrando novamente os anseios de Doria, tanto a comissão que elaborou as regras fez indicação, quanto a maioria da executiva nacional do partido aprovou uma divisão igualitária de peso (25%) para todos os 4 grupos de votantes, que envolvem desde os(as) filiados(as) sem mandato, passando pelos dirigentes partidários até os representantes com mandatos no Executivo e Legislativo.
Ao divulgar a decisão da executiva nacional, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, destacou o caráter democrático das prévias e a importância de sua realização no atual momento pelo qual passa o partido. Inusitadamente, falou também de unidade para caracterizar um processo fruto das disputas internas.
Marcadas para novembro deste ano, as prévias do PSDB parecem querer dar tempo para que as tensões internas se acomodem e a disputa possa transcorrer sem causar maiores desgastes ao partido. Pelo tempo consumido com a postergação, é imperativo que o processo possa contribuir para aparar as arestas internas, construindo um programa relevante e uma unidade em torno da candidatura do partido para as eleições do ano que vem.
Afinal, as prévias terão consumido meses de pré-campanha e articulações, o que algumas candidaturas e partidos estão construindo desde já. Não bastassem as disputas internas, o PSDB terá de enfrentar mais um adversário, o tempo, em seu caminho rumo a 2022.