Bemdito

A graça no diferente

A leitura do pensamento oposto colabora com o fortalecimento das convicções e a melhora da argumentação
POR Simone Mayara

Sim, é um clichê: vivemos uma época polarizada. O branco e o preto deixam pouco espaço aos mil tons de cinza (e vermelho, azul, laranja…). Essa semana, comprei alguns livros do economista Thomas Piketty. Além disso, aumentei a coleção de obras de Gramsci, e percebi o quanto essa variedade às vezes choca.

Para alguém que trabalha em um Instituto que promove o Livre Mercado e tem histórico acadêmico nisso, parece estranho. Mas não deveria. Minha convicção da defesa pela liberdade veio também da leitura do pensamento oposto. Do “inimigo”, em tempos de polarização.

Um bom exemplo foi ter tido acesso às atrocidades dos governos da União Soviética antes de ler trechos dos belos discursos dos líderes adorados. Saber da existência de um genocídio antes de ouvir que tudo que queriam era pão e terra para o seu povo. Não havia um nem outro na Sibéria, também não há registro nos Gulags.

Foi bom ter acesso às ideias diferentes para saber que Edmund Burke, pai do conservadorismo moderno,  opunha-se à condenação de casais homossexuais. Enquanto Stalin considerava a prática – aqui tratando de relacionamentos entre homossexuais – criminosa.

Por isso mesmo, é possível perceber que alguém que liga diretamente “conservadorismo” às decisões retrógradas e reacionárias de limitação de direitos civis, por exemplo, é só alguém que leu um lado. Ou nenhum lado. E está apenas repetindo um discurso promovido na forma da comunicação de massa. Sobre mídia de massa, inclusive, recomendo Gramsci.

Esse contato com ideias diferentes, seja academicamente, seja de forma prática, produziu grandes pensadores. No melhor estilo Popper, o falseamento vai acontecendo. Um exemplo disso é a história do economista ortodoxo e grande crítico das medidas políticas progressistas de intervenção estatal: Thomas Sowell.

Após anos de participação no Partido Democrata, foi durante um estágio no governo americano que o jovem Sowell percebeu que todas as teorias econômicas políticas, quando postas em prática, não tinham relação com toda a retórica apresentada. Esse, inclusive, é o mote de suas obras: provas de que uma política pública deve ser medida pelos efeitos reais, e não apenas pelos belos objetivos ou discursos envolvidos.

O contato com o pensamento distinto nem sempre vai causar convencimento ou conversão – inclusive, no meu caso, só colabora com o fortalecimento das convicções e a melhora da argumentação – e, por isso mesmo, deve ser incentivada. Um dos caminhos para diminuir a distância nessa polarização é chamar as coisas pelo nome, principalmente quanto aos fatos, notícias e opiniões.

Na era dos especialistas e debatedores, e do perigo de termos jovens que não conseguem distinguir uma coisa da outra, é fácil ter um público muito seguro do seu conhecimento e pouco aberto ao diferente. Empatia, tolerância, sabedoria. Tudo pode ser alcançado pela real abertura a ouvir o diferente.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.