A amizade é o ouro compartilhado
A expectativa de que os Jogos Olímpicos reforçassem discussões sociais atuais não impedia o surgimento de surpresas a cada semana. Entre um pódio e outro, as luzes dos novos tempos vão encontrando as frestas para se mostrar.
Na final do salto em altura masculino, Gianmarco Tamberi e Mutaz Essa Barshim empataram. Depois de três tentativas frustradas de definição do vencedor, resolveram espontaneamente encerrar a competição e dividir o ouro.
O fato, que foi divulgado como a quebra de um tabu no esporte, era o resultado de trajetórias que se cruzaram e evoluíram juntas muito antes daquele momento de triunfo. Os dois atletas são amigos, sofreram lesões semelhantes e apoiaram o crescimento profissional um do outro. O italiano chegou a afirmar que não compartilharia a vitória com outras pessoas, ressaltando a peculiaridade da situação.
Superação e excelência são princípios do esporte de alto rendimento. Esforçar-se ao máximo para vencer é uma forma de demonstrar respeito ao oponente e reconhecer o seu valor. Essa lógica esportiva é também o que entusiasma os espectadores e mobiliza a evolução dos atletas.
Ao mesmo tempo, ao lado da excelência, as Olimpíadas consagram o, tão caro e escasso, valor da amizade. É essa perspectiva que revela que o gesto de Tamberi e Barshim não contradiz os princípios olímpicos.
Para quem interpretou como vergonhoso o encerramento da competição antes da definição do vencedor singular, certamente, estes devem estar sendo tempos duros.
O rompimento com a ideia de que o lugar mais alto do pódio é um espaço solitário tem muito a ver com o espírito que permite que superatletas nos entreguem, honrosamente, a possibilidade de nos reconhecermos humanos, limitados e, ainda assim, sujeitos de glórias e inspiração.
As Olimpíadas pretendem ser espelho para um modo solidário e partilhado pacificamente entre os povos e inspiram mais quando são realizadas por pessoas, não por semideuses. Ao não encontrarmos filhos e filhas de Zeus ou de Atena, descobrimos grandes exemplos que servem muito mais claramente para as nossas lutas diárias.
Valorizar a amizade, em um mundo marcado por liquidez, desconfiança e competitividade, é uma expressão transformadora. Ultrapassar as barreiras e encontrar os mesmos bons espíritos que nos acompanharam nos dias de queda continuam a ser um dos melhores motores do mundo.
Os amigos que dividiram o ouro não desistiram de modo vergonhoso, como ousam dizer. Competiram bravamente. Tentaram a superação. E se encontraram gloriosamente no mesmo lugar.
Felizes são eles de poderem vencer juntos.
Felizes são aqueles que sabem compartilhar o pódio.