Agosto não precisa ser o mês do desgosto
A fama de que agosto prenuncia tragédias, agruras e malfeitos é antiga. Conta-se que, no tempo das Grandes Navegações, evitava-se marcar casamentos neste mês, pois coincidia com o período em que as caravelas costumavam partir em viagem. Casar nessa época seria aceitar a possibilidade da viuvez precoce e de grave desgosto.
Através dos anos, outras histórias foram sendo somadas. Da morte de Cleópatra a fatos históricos nefastos, como o ataque a Hiroshima e Nagasaki, a construção do muro de Berlim, a morte de Getúlio Vargas e a renúncia de Jânio Quadros, muito parece provar que o oitavo mês do ano já deveria começar com pressa de acabar.
Na manhã em que o país assiste ao desfile de tanques e veículos militares blindados, coincidentemente articulado no dia da votação da oportunista “PEC do voto impresso”, paira um ar agourento que parece casar com a fama do mês.
Seria absurdo, é claro, atribuir os novos episódios das conturbações políticas brasileiras apenas à passagem do sol por leão. No entanto, o pessimismo disseminado e a perplexidade com as incipientes ações institucionais fazem lembrar que, independentemente de crenças individuais, atravessamos um período tenebroso.
Os arroubos e atos espalhafatosos contra a democracia não podem mais ser tratados como bravatas ou ousadias circunstanciais. As respostas à escancarada tentativa de minar a legitimidade do processo eleitoral precisam ser contundentes para que o Brasil possa retomar a lógica republicana de respeito à divisão dos poderes e aos cidadãos.
O desgosto nacional tem sido estabelecido em um caminho longo. Publicamente, vê-se a proliferação de atos que contradizem a expectativa da construção de diálogos mais produtivos, enquanto, no âmbito privado, em uma época de exaltação do otimismo individual tóxico e da autoestima de vitrine, o pessimismo em relação a tudo que não é estritamente pessoal se tornou um antagonista inevitável.
Não é que se fomente um otimismo alienado e desconectado da realidade. Atenta-se para o fato de que há democracia a ser protegida no Brasil, apesar de quem vocifera contra a qualidade do que foi construído desde o fim do período ditatorial.
A entrega ao pessimismo resignado em relação às questões políticas é um mal a ser evitado. A condição de acreditar que algo melhor pode ser construído e, sobretudo, de que existe valor democrático a ser protegido é essencial para que este e os próximos meses sejam ocupados com discussões que importam para o país e não por agouros de dias ruins.