O desconforto é o segredo do sucesso?
Há alguns dias, li uma frase do tipo que costuma estampar quadros de paredes de cafés e resumir algo muito grande de modo despretensiosamente simples. Dizia: “permaneça onde ser você é confortável”.
No primeiro momento, soou como uma ideia formidável. Libertar-se do julgamento alheio é uma meta audaciosa. Acolher as mais distintas versões de si pressupõe uma força que não temos à disposição todos os dias. Por outro lado, a imagem de permanecer onde nos sentimos confortáveis pareceu colidir com o lema segundo o qual não devemos nos demorar em nossas zonas de conforto.
No contexto em que se atribui conotações pejorativas a um lugar conhecido, fácil, cômodo e livre de desafios, a palavra conforto ganha sentido positivo praticamente apenas quando associada à disponibilidade de bens materiais. Conforto é aquilo que é proporcionado pelo que eu consigo adquirir.
A busca da sensação de bem-estar, a consolação das aflições ou o suporte, sentidos possíveis de serem atribuídos à palavra conforto, são menos utilizados ou passaram a ser entendidos como tentativas improdutivas de evitar dores, ansiedade ou desgaste. O anseio de controle e de segurança, acarretado por aquilo que é conhecido, motivado por preguiça, empáfia, medo ou ignorância, é entendido como causa de insucesso e desperdício de potencialidades.
Gradativamente, essa lógica de superação individual deixou de se ater ao ambiente profissional e passou a preencher os sentidos dos mais variados espaços da vida. Sair da zona de conforto, pôr-se em desafio constante ou superar-se a cada dia são metas existenciais, aplicadas do trabalho aos esportes, da comunidade à família.
Antes de incorporar esse modo de sentir o mundo – se, como propagado, a vida realmente começa apenas onde termina a nossa zona de conforto- , vale questionar qual é o lugar daquilo que não é possível de ser medido, quantificado e, especialmente, comparado.
A dificuldade de autoconhecimento e de construção de uma relação de respeito e apreço pessoal é violentamente impactada pela superficialidade do tratamento dado àquelas partes humanas que não são possíveis de serem expostas ao público. A redução das trajetórias individuais a uma competição por produtividade e a rejeição àquilo que destoa da arbitrária régua da “normalidade” mais corroem potencialidades do que levam pessoas ao sucesso.
Conforto não precisa ser sinônimo de acomodação. Na verdade, não podemos perder os sentidos positivos dessa palavra, em troca de uma tosca lógica resumida pela expressão “no pain no gain”. Ao contrário, rejeitar a possibilidade de se sentir seguro e acolhido seria um desatino individual e uma tragédia social.
O sucesso exige grande dose de humanidade e a superação dos desafios demanda muitos recursos emocionais. A nossa energia deveria ser investida menos na discussão sobre as possíveis fraquezas desencadeadas pela sensação de conforto e mais no infindável desafio de tentar compreender e respeitar aquilo que somos.