Bemdito

A pandemia, a fome e os idiotas sem fuzil na mão

Ao chamar de “idiota” quem o pede para comprar feijão e dizer que todos deveriam comprar fuzil, Bolsonaro zomba da fome que atinge grande parcela da população
POR Thiago Paiva
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

No País onde a imbecilidade representativa impera como novo normal, Jair Bolsonaro continua a arrotar seus despautérios, revoltando aqueles que são dotados do mínimo de bom senso e mantendo vivo o mantra que há quase dois anos e nove meses estamos a repetir: até quando?

A mais recente declaração estapafúrdia foi dita na sexta-feira, 27. Bolsonaro chamou de “idiota” quem diz que é preciso comprar feijão, comida para os brasileiros. “Tem que todo mundo comprar fuzil”, zombou.

A fala de Bolsonaro, mais uma vez, se dá em um contexto de total falta de conexão com a realidade, e não por acaso. É proposital. Em plena pandemia, quando nos aproximamos das 580 mil mortes no País, e enquanto a fome, o desemprego e a carestia impõem à população uma batalha diária contra a insegurança alimentar, o presidente mantém seu foco na campanha à reeleição, cuja promessa era a extinção.

A forma como a declaração ocorreu, inclusive, denota uma armação. Bolsonaro sequer foi provocado a abordar o tema da fome em detrimento de sua política armamentista, já abordada por esta coluna. Bravateou ao conversar com apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada. Um dos seguidores do presidente o perguntou se havia novidade para os Caçadores, Atiradores e Colecionadores, os chamados CACs. E ele respondeu desta forma:

“O CAC está podendo comprar fuzil. O CAC que é fazendeiro compra fuzil 762. Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, externou, deixando clara sua total inversão de prioridades.

Ao dizer que “todo mundo” deveria comprar um fuzil, Bolsonaro dá de ombros para uma realidade dramática, comprovada em números. Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou, em julho, uma alta de 0,96%, alcançando os 8,99% no acumulado dos últimos 12 meses. É o pior resultado desde maio de 2016 (9,32%).

Com relação ao Ceará, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Covid-19), também do IBGE, apontou que 8,18% da população vivia em situação de extrema pobreza, em novembro de 2020. Em maio do mesmo ano, na vigência do auxílio emergencial, a taxa era de 4,8%, o que mostra que as reduções no auxílio-emergencial agravaram o cenário.

Já o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que no Estado, em janeiro de 2021, de cada 100 cearenses, 44 viviam com menos de R$ 450 por mês, ou seja, pouco mais de 4 milhões de pessoas viviam abaixo da linha da pobreza. Em 2019, no mesmo período, eram 41 a cada 100. É para esse público, o “todo mundo” de Bolsonaro, que as consequências da indiferença do presidente se manifestam de maneira mais cruel.

A volta da fome e da extrema pobreza é que deveriam ser tratadas como causa prioritária pelo presidente. Bolsonaro, no entanto, continua zombando, chamando de “idiotas” os que pedem por feijão, vacinas e tudo aquilo que realmente importa.

Prefere seguir estimulando os verdadeiros idiotas: aqueles que aceitam a ideia de que um futuro melhor para o Brasil passa pela posse de um fuzil, mas não conseguem pôr uma refeição digna na própria mesa. Enquanto isso, seguimos a questionar: até quando?

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.