Bemdito

O Facebook não lidará com a nossa ansiedade

É ingênuo pensar que as grandes empresas vão se preocupar com o bem-estar de seus usuários
POR Desirée Cavalcante

Nos últimos dias, voltaram a circular notícias e alertas sobre a relação entre o Instagram e o prejuízo à saúde mental dos usuários, especialmente adolescentes. O debate, que já tem sido desenvolvido há alguns anos, ganhou novo fôlego a partir da série de matérias veiculadas pelo The Wall Street Journal, que teria tido acesso a documentos internos produzidos pelo próprio Facebook.

Na série, são destacados, dentre outros pontos, a existência de milhares de usuários que não seriam submetidos aos mesmos critérios de moderação dos demais, além do reconhecimento, por parte da empresa, das repercussões negativas do uso da plataforma sobre a autoimagem e o bem-estar dos indivíduos. 

A corporação tem buscado demonstrar publicamente uma tentativa de reduzir os impactos sobre pressões estéticas e sociais e engajar as interações interpessoais. O que os documentos recém divulgados apontam, entretanto, é que não estaria havendo êxito nesse projeto. Ao contrário, o consumo passivo dos conteúdos é, cada vez mais, associado à redução do bem-estar e da qualidade das interações. Além disso, o Instagram é, novamente, apontado como a rede social com impacto mais negativo sobre a saúde mental dos usuários.

Uma das demonstrações de preocupação com essa questão pode ser verificada na adoção de ferramentas de informação e ajuda dentro da plataforma. Ao buscar o termo #ansiedade, por exemplo, aparecerá uma mensagem com a pergunta “Podemos Ajudar?” e o aviso de que o conteúdo foi ocultado para prevenir comportamentos que possam causar danos ou levar à morte. Além disso, há uma opção de obtenção de auxílio que sugere falar com um amigo, falar com um voluntário da linha de apoio ou ler sugestões de maneiras de se ajudar. 

De modo esperado, nesse espaço, a empresa não amplia o debate sobre o excesso do uso da rede, que é apontado como um dos elementos centrais do problema. 

Contudo, apenas melhorar a experiência dos usuários ou buscar atenuar os efeitos de distorção de imagem, como coibir filtros de alteração estética não realista ou mesmo incluir advertências de retoques em fotos, medidas pensadas em diversos países, não são suficientes para lidar com as repercussões sobre a vida das pessoas.

Na verdade, em que pese a centralidade das ações que a empresa deve adotar para reduzir o impacto negativo dos seus produtos, especialmente em públicos com maior grau de vulnerabilidade, é certo que há de se repensar coletivamente o uso e a finalidade das redes sociais. 

Esgotamento e exaustão
No ambiente digital, o bem mais disputado é precisamente aquele que se torna escasso a cada dia: a atenção e o engajamento dos indivíduos. Há valor e preço em cada curtida e em cada minuto de navegação irrefletida. O esgotamento e a exaustão que parecem ter se tornado os elementos compartilhados da vida social contemporânea têm relação sistêmica com a forma de organização das relações de trabalho e produção, atualmente interconectadas com o ambiente virtual, mas também passam pela perda da capacidade de desfrutar de relações pessoais, familiares e sociais não intermediadas por dispositivos.

Não é razoável que se espere que parta do Facebook a iniciativa fundamental de alterar a forma como as relações sociais têm sido estabelecidas. Existe uma questão coletiva profunda e crescente associada ao modo como têm sido organizados valores, falas e pensamentos. É irreal que se espere que a empresa forneça a ferramenta que causa e que aplaca o mal. Essa é uma tarefa pública indelegável.

Desirée Cavalcante

Advogada e doutoranda em Direito pela UFC, é professora de cursos de pós-graduação e 1a vice-presidente da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã da OAB/CE.