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O que é genocida?

Um manual sobre genocídio e genocidas de Ruanda à Bósnia, da Bósnia ao Brasil
POR Alex Mourão
Foto: Alex Pazuello/Semcom

Um manual sobre genocídio e genocidas de Ruanda à Bósnia, da Bósnia ao Brasil

Alex Mourão
alex.mourao5@gmail.com

Uma das palavras que mais tem sido repetida nos últimos dias no Brasil é genocida. Todos os dias nas redes sociais, repetido em infinitas hashtags. Tão repetido que o Google já registrou expressivo aumento de buscas pelo termo. Apesar de tão repetida, é uma palavra que guarda um significado terrível.

Genocida é quem pratica o genocídio.

O termo foi cunhado por um advogado judeu chamado Raphael Lemkin, antes mesmo de ser revelado para o mundo os horrores do holocausto nazista. Quando pensou no termo, Lemkin se referia aos diversos momentos na história onde houve uma sistemática vontade de exterminar um determinado grupo por condições de raça, religião, nacionalidade ou etnia, como o genocídio armênio, ocorrido no começo do século XX.

Genocídio, em seu sentido jurídico, é o termo usado para designar a conduta de destruir, no todo ou em parte, grupo religioso, étnico, nacional ou racial. A previsão legal, no âmbito internacional, está na Convenção Para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Essa convenção foi aprovada em 1948, como forma de mostrar ao mundo o repúdio internacional às práticas nazistas reveladas com o fim da Segunda Guerra Mundial. Foi um marco internacional.

Em seguida, com o Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), o termo foi novamente visitado, debatido e reiterado. Hoje o Tribunal Penal Internacional tem competência para julgar, entre outros, crimes de genocídio. Por meio do Decreto 4.388/2002, o Estatuto de Roma entrou em vigor, para o Brasil, em setembro de 2002. Portanto, estamos submetidos ao seu texto. Atualmente, mais de 120 países fazem parte do Estatuto, demonstrando um amplo consenso internacional de repúdio a diversas condutas.

Quando falamos de genocídio, Ruanda e a região do Bálcãs surgem logo na memória.

Em 1994, em Ruanda, em torno de 800 mil pessoas da etnia tutsi foram mortas em menos de quatro meses. O genocídio de Ruanda marcou tanto aquela sociedade que hoje é crime negar esse triste momento do país africano.

No começo dos anos 1990, na região dos Bálcãs, no sudeste europeu, a guerra na Bósnia deu início a outro genocídio. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a Europa não se deparava com um problema desse tipo em seu território. Foi nesse momento que o termo genocídio ganhou o contorno mais forte ainda de limpeza étnica.

Nos casos de Ruanda e dos Bálcãs, os responsáveis pelo genocídio não foram condenados pelo Tribunal Penal Internacional, pois ocorreram antes da sua criação e, segundo o Estatuto de Roma, só podem ser julgados os crimes praticados após julho de 2002. Porém, isso não quer dizer que os genocidas ficaram impunes. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu, no final de 1994, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, que julgou e condenou diversos genocidas. No caso dos Bálcãs, foi instituído um Tribunal Penal Internacional próprio também, com condenações de vários dos responsáveis pelo crime.

Além de Tribunais Internacionais, os nacionais também podem processar e julgar pessoas que praticam genocídio. No caso do Brasil, a lei 2.889/56 – resultado do compromisso brasileiro com a Convenção Para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio – trata da matéria, definindo e punindo a conduta no ordenamento jurídico interno. No nosso caso, a importância é tamanha que. mesmo quando praticado no estrangeiro, pode ser submetido à lei brasileira, quando o criminoso for brasileiro ou aqui residir. É o que o direito chama de princípio da justiça universal ou cosmopolita.

Com toda a ebulição em torno dos termos genocídio e genocida, bem como a relação com a condução do governo federal diante da pandemia, observamos uma discussão no mundo do direito, onde de um lado, juristas afirmam que a inação do governo federal frente à pandemia de coronavírus poderia caracterizar a conduta genocida. Por outro lado, afirmam que a omissão que se observa é generalizada e não dirigida a um grupo étnico, racial, religioso ou nacional específico, o que descaracterizaria o genocídio.

O termo genocídio, porém, não é apenas jurídico, mas também permeia o discurso social para além das leis e códigos e serve para mostrar, em fortes cores, quando uma grande parte da população está morrendo, seja por ação ou omissão daqueles que deveriam proteger e zelar pela saúde de todos e todas.

Alex Mourão é professor universitário. Está no Instagram.

Alex Mourão

Professor universitário, graduado em Filosofia e Direito, mestre e doutorando em políticas públicas.