Bemdito

A digitalização das vidas e suas consequências

Como a queda das redes sociais na última semana expôs a fragilidade da base de nossas relações afetivas e de trabalho
POR Cláudio Sena
(Foto: Glen Carrie)

Sobre as redes sociais, a verdade é que mordemos a isca. Algumas vezes por necessidade, outras por safadeza mesmo. Entregamos boas fatias da nossa Pirâmide de Maslow individual ao Instagram, Facebook, Twitter e às próximas que surgirão.

Durante o bug mundial ocorrido na semana passada, oscilei entre alívio e a preocupação com o vendedor de frango que me vendera o almoço pelo WhatsApp no dia anterior, tudo online, com pagamento em Pix. Definitivamente, as ameaças e as vantagens do virtual são reais.

Interessantes estes às vezes parceiros de negócios, às vezes  cupidos, chamados Zuckerberg, Acionistas e CIA LTDA. Entregaram o canal de bandeja para a gente, com algoritmos bem solícitos lá em 2004. Caímos. Comemos o queijo da ratoeira que disparou propositalmente atrasada. Agora o meninão e sua turma controlam tudo. Inclusive o quanto da campanha publicitária de varejo funcionará e o quanto funcionou, já que ele mesmo oferece o canal, entrega o produto e comenta os resultados. Isso sem checar o movimento na loja. 

Ah, se fossem apenas nas lojas os efeitos. Se a gente cruzar variáveis para entender esse fenômeno de migração das sociabilidades e da economia para o virtual, é capaz de encontrarmos relação com a venda de produtos farmacêuticos, com a queda na taxa de natalidade, com o crescimento do segmento pet, com o consumo de música sul-coreana and so on

Agora ficou difícil cortar os fios que controlam nossos bonecos de marionete. Para falar a verdade, se a gente sair pro off, forçados ou não, aguardemos as consequências. Vide a segunda-feira passada. É o peso e o risco de migrar nossos negócios, nossos empregos, nossos dinheiro, nossos amores, nosso lazer para um só lugar. Pior, um lugar controlado por uma só pessoa ou um pequenino grupo que, não sei se você sabe, não se preocupa tanto assim conosco. 

E a saída? Ir para espaços mais democráticos certamente tendo como gestor um outro Zuckerberg, de outro continente? Ou seria melhor repensar por completo nossas relação entre nós mesmos e sobretudo com estes espaços de interatividade que puxam para as telas vidas inteiras com cada vez mais amplitude e força. Tenho a impressão de que, se a gente continuar nesse ritmo, vamos acabar dançando bonito. E, desta vez, fora das redes sociais.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.