A quebra e a queda do ciclo machista
Toda quebra de ciclo repetitivo costuma ser dolorosa. O jovem que se lança à vida porta afora da casa, extensão uterina onde nasceu, cresceu e se desenvolveu. O demitido ou o que pede demissão e aventura-se por necessidade ou escolha na empreitada de um novo métier. O casal que se separa e, cada um ao seu lado, tenta reaprender as atividades mais básicas que viraram automáticas pela repetição. Mas, além daquelas rupturas partilhadas socialmente, estas que envolvem e dependem dos outros, existem mudanças que se operam sutis, silenciosas e individualizadas, antes de serem exteriorizadas em forma de ação. Uso o machismo como exemplo. Explico. Ou tento.
Os nascidos nos anos 80 – e aqui posso falar por mim com mais tranquilidade -, certamente, em algum momento, compactuaram ou, pelos menos, abafaram em panos quentes, atitudes machistas. Palavras de escárnio, diminuição, julgamentos, classificações – lembro-me da “galinha”, aquela que ficava com vários caras – e toda a sorte de escrotice que se reproduzia nos pátios dos colégios até as universidades. Não digo com isso que a gentileza e o comportamento, digamos, mais humano com as mulheres, não existiam. Porém, aquém disso, perambulava influente uma força paralela fortalecida a partir do subjugamento do feminino, sobretudo em relação ao poder daquelas fêmeas mais ameaçadoras.
Diante deste quadro, duas opções: a repetição do ciclo machista e misógino ou a tal mudança que aponto no início do texto. Com isso, também não gostaria de comparar as rupturas entre si. Trata-se mais de uma ferramenta para compreensão do fenômeno, às vezes um bocado invisível e normatizado para muitos e, também, muitas. Para a quebra neste “projeto” de hegemonia masculina, certas vezes justificada pela natureza ou pela construção social, geralmente há que se enfileirar uma sequência de ações para que a mudança seja verdadeira e permanente.
O olhar sensível que entende e percebe que existe um problema e, pior, que as consequências são devastadoras. O exercício de desconstrução do social e da prática da alteridade. Um reconhecimento que, muitas vezes, desemboca na quebra do orgulho e principalmente no arrependimento. Isso tudo para finalmente uma possível atitude e reverberação da mudança – além, claro, da cobrança da igualdade e equidade, independentemente de gêneros e da existência destes.
Para aqueles que não tiveram educação essencialmente humanística, o trabalho pode ser dobrado, com confrontos inevitáveis. Requer deixar de ficar calado e contraria a maioria durante a saída relaxante com os amigos, reconhecer o trabalho dobrado de uma imensa quantidade de mulheres no trabalho e em casa, abandonar amizades e afastar-se de familiares. Mas há esperança. Os dispostos a mudar podem ser surpreendidos para o bem. Os pequenos grupos e mundos sociais estão cheios de indivíduos que preferem ser a metamorfose ambulante. As pessoas são surpreendentes. Digo a você: ao longo da vida, encontrei sensibilidade e compreensão muito mais em treinos de MMA do que em bares hypados.
No meu caso, estudando sociologia, a gente tem de passar pelos estudos de gênero, por gosto ou obrigação. Joan Scott, Judith Butler, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, este pessoal me ajudou um bocado. Além das viagens e do descobrimento de realidades melhores e piores. Porém, teve vontade de minha parte e acho que ainda tem, pois trata-se de um processo difícil desfazer uma construção social solidificada pelos diferentes tipos de socialização de quem chega à curva dos 40. Para agravar, como a vida nos guarda surpresas e nos impõe a reflexão e a impermanência, sou surpreendido com a paternidade de uma menina, o que me coloca ainda mais na linha de frente desta luta.