Bemdito

À espera da sorte

Os "entres" e "enquantos" da vida profissional
POR Cláudio Sena
(Foto: Bench Accounting)

Com o passar dos anos, foi clareando a realidade de que, definitivamente, as oportunidades precisam encontrar as pessoas. Não é só uma questão de sentar a bunda na cadeira, trabalhar ou estudar. Para o upgrade no saldo da conta ou para ser laureado pelo prêmio qualquer coisa, os “não herdeiros” precisam suar e, principalmente, contar com eventuais encontros, topadas da sorte que os jogam para cima, em vez da queda. Afora o papo, em geral furado, da meritocracia, parece existir o componente do destino, de Deus, dos astros, do Mercúrio retrógrado ou prafrentex, enfim, deixo você decidir. 

Falo de situações nas quais pessoas que dominam três idiomas com desenvoltura nativa, têm pós-doutorado e/ou anos de experiências profissionais e, além de tudo, são relativamente gente boa — os ”merecedores” pelo esforço — não encontram posto devido e coerente de trabalho. Arrisco dizer que esse grupo se amplia a cada dia. Havia antes uma “fuga de cérebros”. Uma possível saída da cidade, do estado, do país. Má notícia: lá também existem estes grupos e eles também se acumulam. 

Sabe aquele lamento dos talentos do esporte e da música perdidos por falta de formação? Pois bem, o que fazer quando há formação e, mesmo assim, a coisa não vinga? Falo de gente preparada, passada na casca do alho poireau, pronta para assumir seu papel social no extrato que lhe caberia e para qual preparou-se. Mas, por força das circunstâncias, do acaso, do atraso, de qualquer coisa, não encontram seus rumos. 

Toda profissão é digna. Não quero, com este texto, desmerecer nenhum ofício e nem hierarquizar profissões. Mas trato de um encaixe que ocorre cada vez mais raramente, aquele quando o que se quer, o que se gosta, para o que se é bem remunerado, o que se tem talento e competência para fazer estão todos juntos e mais ou menos alinhados.

Revisores (pesquisadores competentes), professores de reforço (escritores natos), e tantos outros que vivem um ”enquanto”, um ”entre”, onde encontraram uma possível felicidade para aquele momento. Eles e elas ocupam-se daquilo que os permite viver muito mais do que aquilo que lhes apetece. E aguardam, uns atentos e outros nem tanto, as tais “oportunidades”, o cavalo selado que passará. Talvez.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.