Bemdito

A whatsapperização da informação

Na luta contra as fake news e pela compreensão das redes sociais, a ciência precisa correr
POR Cláudio Sena

Na luta contra as fake news e pela compreensão das redes sociais, a ciência precisa correr

Cláudio Sena
claudiohns@gmail.com

Uma capa da Veja e uma matéria de poucos minutos no Jornal Nacional. Pronto, talvez estivesse definido o futuro do deputado, do ministro e até do presidente. Hoje não. Nada é garantido. Parece que o perigo não vem mais da mídia de massa com interesses obscuros ou das produções comunicativas do Exército Zapatista de Libertação Nacional em meio às montanhas mexicanas de Chiapas, no México. O risco em domicílio eletrônico chega agora embalado por flores de paint art e ursinhos carinhosos com desejos de bom dia. Mensagens de Whatsapp convertidas em armas deste front de exércitos, muitas vezes, invisíveis e robóticos.

Lembro-me da minha língua mordida há poucos meses. “Pai, mãe, cuidado com notícias destes jornais da televisão”. Mudou. “Mãe, pai, assista aos jornais da televisão e não acreditem em tudo que vem pelo Zap”. Poucos anos entre essas duas frases e um bocado de transformação. Pierre Lévy, Manuel Castells e demais teóricos entusiastas da Internet anunciavam a potência do virtual na década de 90 com suas inteligências coletivas, comunidades virtuais, participações democráticas e tantos conceitos promissores. Agora, pós anos 2000 e alguma coisa, eles encontram o pessimismo fundamentado de Byung-Chul Han e sua shitstorm, além de um Umberto Eco desesperançoso antes de sua morte: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis”.

Calma, Professor Eco, é melhor pensar em soluções ou maneiras de amenizar os efeitos ruins, pois parece que não temos ainda opções de eliminar isso. Difícil evitar o que nos é imposto. Caso fujamos dos meios virtuais, podemos pagar o preço, literalmente, pela falta de oportunidades de emprego, por exemplo, ou pelo débito à Receita Federal, diante de uma ausência na declaração digital do Imposto de Renda.

Demos ênfase, até agora, ao funcional e ao material, pouco do subjetivo, sendo este último, um aspecto que não se observa de modo tão evidente e onde operam-se gigantescas mudanças. Para as consequências no corpo e na mente, se é que dá pra dissociar um do outro, seria preciso outro texto. Aliás, muitos. Haja psicólogo, psiquiatra, psicanalista e bota psi para tentar entender as últimas mudanças. O tempo da “realidade virtual” (nem funciona mais como paradoxo) é outro. Daqui que se realize a pesquisa, valide em congressos e publicações científicas, receba e absorva críticas – refaça a análise, se for o caso -, a rede social já mudou e seus efeitos também. Nesta corrida injusta e na busca pela compreensão dos fenômenos que perpassam o virtual, o digital e, claro, o social, a ciência parece ter de correr. Caso contrário, as análises, digamos, mais descompromissadas, ganham terreno, tal como mensagens que acumulam-se no grupo silenciado e esquecido do aplicativo.

Voltando aos cards inocentes, aos arquivos de vídeo e áudio citados no início do texto, estes passaram a ser as fontes primárias de informação para um bocado de gente. São práticos, fáceis, usam a língua falada, contam com apelos estéticos, figurinhas, carinhas e gestos emojificados (no 6º texto da coluna, já me dou ao luxo ao 2º neologismo) que cativam uns e horrorizam outros. Tantas vozes doces que relatam experiências citando fontes próximas, uma “verdade” que tem tudo para ser sem aspas. Dão um trabalho danado para serem verificadas e, posteriormente, confirmadas ou negadas. Mais fácil talvez acreditar e repassar aos colegas de grupo, ainda mais em meio à ansiedade e à angústia de uma solução esperada.

No auge da pandemia, em abril de 2020, cheguei a receber um destes conteúdos revolucionários. Um tal chá de boldo da folha pequena três vezes ao dia, descoberta que, supostamente, ultrapassara a Universidade de Oxford nas pesquisas e já apresentara em sua composição a milagrosa cura para a Covid. Havia tanta sinceridade, altivez e desejo de melhoria naquela voz da Dona M. (achei melhor omitir a iludida). Até eu quis acreditar naquilo. Imaginem os desavisados? Tentadoras essas mensagens.

Cláudio Sena é professor e publicitário. 

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.