Afinal, a CPI vai dar em algo?
Em dois meses e meio de existência, a CPI da Pandemia tem sido avaliada sob o crivo das expectativas criadas com a sua instalação. Questionamentos acerca da sua capacidade de responsabilizar o governo federal pela má gestão da pandemia – ou mesmo se “tudo acabará em pizza” – se alternaram conforme a investigação seguia seu curso.
Desde o início do processo, argumentei que a CPI seria um espaço de disputa que apresentaria contornos pouco favoráveis ao presidente. O conteúdo sensível da investigação e a atenção midiática que a comissão atrairia continham claro potencial de desgaste para o governo, o que se provou verdadeiro com as pesquisas de opinião pública. Isso não significou que o governo assistiu a tudo passivamente. Houve reação do presidente e dos seus aliados, que também usaram o espaço em favor da redução de danos.
As pesquisas de opinião pública, divulgadas na última semana, demonstram, no entanto, que os esforços dos governistas tiveram resultados limitados. O desgaste do governo promovido pela CPI se aprofundou, especialmente, com as denúncias de corrupção na aquisição de vacinas, das quais o presidente foi acusado de ter conhecimento e não tomou providências.
Os levantamentos de diversos institutos foram enfáticos em evidenciar o enfraquecimento de Bolsonaro (sem partido), que perde no segundo turno em diversos cenários, além da consolidação da força eleitoral do ex-presidente Lula (PT). Os dados referentes à avaliação do governo federal também indicam piora. Mais de uma pesquisa apontou que o patamar da população que apoia o impeachment do presidente superou os 50%.
Além das simulações eleitorais e dos dados de avaliação do governo, um conjunto de informações publicado pelo Instituto Datafolha me chamou atenção: as que se referem à imagem pública do presidente. Sintetizada no título da matéria da Folha de São Paulo, que se tornou viral nas redes sociais, a pesquisa indicou que, atualmente, a maioria da população considera o presidente “desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário e pouco inteligente”.
“Desonesto”
Destaco para reflexão, especialmente, o atributo desonesto. Como sabemos, Bolsonaro foi eleito em 2018 a partir de uma campanha eleitoral que se articulou fortemente à narrativa promovida pela Lava Jato. O atual presidente foi apresentado como o candidato genuíno da luta anticorrupção. Essa imagem pública construída na disputa de 2018 nos dá a dimensão do peso que as denúncias reveladas pela CPI da Pandemia têm no desgaste não apenas do governo, mas também do presidente como liderança política digna de confiança e admiração.
Segundo o Datafolha, entre os entrevistados que afirmam ter conhecimento da comissão, o índice de reprovação do governo é 10% maior. Em relação à imagem de Bolsonaro, o atributo desonesto teve um aumento de 12%, saindo de 40% para 52%. Entre os entrevistados que afirmaram ter conhecimento das denúncias, o aumento na percepção do presidente como desonesto foi de 20%. Quando questionados se “existe ou não corrupção no governo do presidente Jair Bolsonaro?”, 70% afirmaram que sim, existe. Entre estes entrevistados, 63% consideram que os desvios ocorreram na compra de vacinas e 64% acreditam que o presidente tem conhecimento, como revelado pelos depoimentos da CPI.
É relevante destacar que, a despeito de existirem denúncias anteriores contra o presidente e seus filhos, as acusações de corrupção que vieram à luz com a comissão têm potencial mais corrosivo. Tanto o conteúdo (que envolve a morte de milhares de brasileiros) quanto a temporalidade (no contexto da pandemia) são sensíveis, gerando efeitos de comoção e revolta na população.
Quando me perguntarem novamente se a CPI da Pandemia dará em algo, eu responderei: já deu! Abriu caminho para a corrosão de um pilar central da imagem pública que alçou o presidente ao poder, o discurso anticorrupção. Discurso que foi fundamental para arregimentar eleitores para além do núcleo duro do bolsonarismo. O efeito disso é expressivo, como afirmou o próprio ex-marqueteiro da campanha de Bolsonaro em 2018, Marcos Carvalho, em entrevista à Revista Piauí: “as suspeitas de corrupção que estão vindo à tona na CPI colocam por terra a última razão para o grosso do seu eleitorado continuar acreditando nas promessas de campanha”.
Em síntese, os últimos movimentos da CPI empurraram Bolsonaro em direção às cordas. As reações virulentas contra a comissão e os constantes questionamentos ao processo eleitoral dão o tom do quanto o presidente está acuado. A política não é feita apenas de ações com desfechos definitivos, mas também de brechas e oportunidades que se anunciam em meio às disputas. As investigações da CPI oferecem exatamente estas últimas. Os escândalos de corrupção na compra de vacinas abrem, portanto, uma avenida para a atuação política das oposições.