Amazônia, vanguarda da catástrofe
Como o Brasil se transformou na Fordland do mundo
Ricardo Evandro S. Martins
ricardo-evandro@hotmail.com
A borracha vinda do látex da floresta já havia enriquecido a elite amazônica no século XIX. Mas com a (bio)pirataria britânica, que traficou as mudas de seringueiras para Malásia, uma das colônias inglesas no Oriente, a Belle Époque cabocla em que vivia a elite da cidade amazônica de Belém do Pará entrou em decadência.
Por ironia das repetições históricas, anos depois, o látex ficou muito caro na Malásia. Visando diminuir seus custos na produção de borracha, então, em 1927, a famosa e histórica montadora de carros de Henry Ford projetou uma cidade-modelo no Brasil, para empreender um novo ciclo de látex amazônico. A cidade teria os padrões urbanísticos dos subúrbios dos Estados Unidos, mas localizada bem no coração da Amazônia.
Fordlândia era a utopia capitalista no “Éden perdido”. Um sonho industrial de desenvolvimento, um projeto ousado no meio da floresta, que restou à tentativa de fantasmagorizar o distrito da cidade de Aveiro, próximo ao rio Tapajós, no Estado do Pará. O sonho capitalista de acúmulo primitivo do capital se perdeu na divisão internacional do trabalho e da produção. O projeto fracassou.
A Amazônia é a vanguarda do Brasil, sua última fronteira na corrida pelo “progresso”. Só que, em vez da corrida para Oeste dos EUA, com direito a todos os seus elementos narrativos do gênero Western – como povos nativos, genocídios, busca por minério, tramas de vingança, escravidão e homens dentro e fora da lei – aqui, tivemos e ainda temos, a corrida para o North brasileiro.
Esse fato pode dar outra luz à reunião da Cúpula do Clima, que ocorreu nesta semana, e também faz lembrar de um outro fato recente no Brasil: em 2020, deu-se a notícia do fim das atividades industriais da Ford no país. Depois de 100 anos de produção de carros, a mesma empresa, que, no passado, ousou investir pesado no coração da Amazônia, parte daqui, mais uma vez, mas de todo o Brasil. Então, pergunto se isto não seria um marco simbólico de uma verdadeira “fordlandização”, mas, agora, de todo o país.
O Brasil se tornou um país-fantasma, de ética neopentecostal e de espírito neoliberal, e viabilzado pela sua grande experiência histórica necropolítica: de plantation escravocrata à uberização de todo trabalho; de refúgio de eugenista nazista (J. Mengale) à negligência do Governo Federal na atual crise pandêmica; dos parques industriais nacionais e centros de pesquisa, ciência e tecnologia, nas universidades públicas, a um acelerado processo de deterioração da educação – com perseguição a professores, imposição de reitores interventores, taxação de livros, diminuição de gastos em bolsas de pesquisa etc. – e de transformação do país em um fazendão de soja e de gado.
Antes da catástrofe ambiental se completar, com a desertificação pelo desmatamento da floresta amazônica – com risco de se gerar até uma nova pandemia no futuro –, o mundo ainda tem a chance de entender o que lhe espera ao olhar para a história da Amazônia. Acho que ainda não se entendeu bem: Brasil é a Fordland do mundo. E a Amazônia é a vanguarda de sua catástrofe.
Ricardo Evandro Martins é doutor em Direito e professor da Universidade Federal do Pará. Está no Instagram.