Bemdito

Drogas: Quanto custa proibir?

Pesquisa inédita aprofunda debate sobre a política de combate às drogas no Brasil e revela o abismo no qual, ano após ano, recursos públicos são despejados no País
POR Thiago Paiva
Foto: Mastrangelo Reino/A2img

Pesquisa inédita aprofunda debate sobre a política de combate às drogas no Brasil e revela o abismo no qual, ano após ano, recursos públicos são despejados no País. Em 2017, RJ e SP gastaram R$ 5,2 bilhões

Thiago Paiva
r.thiagoo@gmail.com

Um fato inegável no debate acerca da política de proibição das drogas no Brasil é que não há dados científicos confiáveis que comprovem a efetividade desse combate, que remonta há décadas no País, e que se agravou após a aprovação da Lei 11.343, de 2006, conhecida como Lei de Drogas. Já sobre o nítido fracasso social do proibicionismo, há cada vez mais conteúdo concreto e de qualidade.

Exemplo disso é o projeto Drogas: quanto custa proibir, lançado recentemente pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), sob a coordenação da socióloga Julita Lemgruber. Inédito, o estudo revelou que, em 2017, o estado do Rio de Janeiro gastou ao menos R$ 1 bilhão no combate às drogas. Já São Paulo dispensou a esse modelo de segurança pública, no mesmo período, cerca de R$ 4,2 bilhões. Ao todo, R$ 5,2 bilhões foram gastos com a proibição nas duas unidades da Federação que são berços das maiores facções criminosas do País.

Daí a importância do criterioso levantamento feito pelo CESeC. Apesar dos avanços nas pesquisas sobre Segurança Pública, em âmbito nacional, havia uma carência de números, de demonstrações em cifras desse fracasso. Não há mais. No Rio e em São Paulo, estados escolhidos por critérios que dispensam comentários, foram detalhadas as despesas públicas das sete instituições que atuam diretamente na proibição às drogas: Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública, tribunais de Justiça, sistema penitenciário e sistema socioeducativo.

Em seguida, foram separados os gastos no orçamento que se aplicavam à Lei de Drogas, tendo sido necessários 122 pedidos via Lei de Acesso à Informação, com apenas 54 retornos de esclarecimentos concretos. No Rio, o levantamento apontou que a Polícia Militar dedicou pelo menos 7,1% de seu trabalho à aplicação da Lei de Drogas, com abordagens e prisões em flagrante de pessoas, em sua maioria pobres e portando pequenas quantidades de drogas. O custo: R$ 350,6 mil. E esse é apenas um exemplo.

Os demais detalhamentos do estudo deixam claro que a proibição de determinadas substâncias psicoativas se dá por uma escolha política, vinculada a preconceitos morais e desconhecimento, além de racismo, sobretudo por parte daqueles que separam traficantes de usuários, por não haver critérios objetivos previstos na própria lei. Há diferenciação de pessoas. E a cor da pele também é parâmetro. Infelizmente.

Além disso, a política do proibicionismo continua funcionando como um catalizador do aumento da população carcerária no País, encorpando as fileiras de membros das facções criminosas e, pior, essa estratégia continua ineficaz na redução de produção, venda e consumo de determinadas drogas. Seguimos pagando um elevado custo social. Não há investimento. Apenas gastos.

Controle dos gastos públicos
Em tempos de pandemia, se faz necessário abordar este tema, sobretudo em nome da racionalidade na gestão do orçamento público, diante do agravamento da crise econômica. E este também é um dos aspectos da pesquisa. O levantamento aponta que os R$ 5,2 bilhões gastos com a proibição, por Rio e São Paulo, seriam suficientes para a compra de 108 milhões de doses de vacina ou para o pagamento, durante um ano, de renda mínima de R$ 600 mensais para 728 mil famílias.

Como bem definiu o especialista em estudos sobre a violência, antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares, em postagem nas redes sociais, as descobertas desse estudo “moveriam montanhas, promoveriam metamorfoses, precipitariam avalanches de mudanças nas políticas públicas, na legislação e nas mentalidades, se nosso País fosse mais sensível ao conhecimento e à equidade do que aos preconceitos e às conveniências”. No ponto. Soares foi certeiro.

Crítico da guerra às drogas e da política de encarceramento em massa, o cientista político conclui: “A estupidez mata, avilta no cárcere, empobrece a saúde, esmaga a educação. A segunda epidemia é a da irracionalidade (com viés racista e de classe)”. Errado, sobretudo agora, podemos dizer que ele não está.

Thiago Paiva é jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário. Está no Instagram e Twitter.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.