Carta para Aderbal
Cearense do mundo, o ator e diretor Aderbal Freire-Filho chega aos 80 anos no próximo sábado
Magela Lima
lima.magela@gmail.com
Fortaleza, 5 de maio de 2021
Aderbal, querido,
Espero que esta carta o encontre bem aí no seu Rio de Janeiro. Bem, nesses tempos tão sombrios em que temos vivido, meu amigo, quer dizer com saúde. Saudades. Sim, soube do AVC que você sofreu ano passado, não bastasse toda essa dor que veio junto com essa Covid-19. Uma agonia! O motivo da carta, porém, é leve. Escrevo porque não posso te dar um abraço. Sábado próximo, você faz 80 anos e a realidade, definitivamente, não nos dá o direto de abrir mão de festejar.
Fosse aquele outro tempo, certeza que seria uma noite linda lá no Poeira. Independente do espetáculo em cartaz, teria aquele clima de parabéns. 80 anos! Que beleza! Olhe só: quando isso tudo passar, quando a guerra contra o coronavirus e contra os charlatões, como você mesmo diz, for vencida, essa festa que não será feita agora vai ser ainda maior. Imagina quanta gente querida e vacinada vai estar reunida para esse aniversário guardado!
Acho até que você poderia pensar em aniversários, viu! Que tal vir comemorar também em casa? Faz tempo que você não vem por aqui. Se a memória não falhe, a última peça com direção sua que passou por Fortaleza foi As Centenárias, com Marieta e Andréa fazendo a gente se acabar de rir, no Teatro do Via Sul Shopping. Isso tem mais de 10 anos, já! Depois disso, você veio com Depois do Filme, para inaugurar o auditório do Centro Cultural do Parlamento Cearense. Muito tempo, também! Era 2012. Já passou foi da hora de voltar. Enfim.
Apesar desses já mais de 50 anos seus morando no Rio de Janeiro, você continua sendo uma presença muito querida no Ceará e no teatro cearense. Ano passado, mesmo com o confinamento, falou-se muito e bem dos 55 anos da estreia de Deu Freud Contra e do Teatro Novo que você e outros tantos corajosos inventaram de inventar por aqui. Marcus Miranda, nem sei se já sabe, agora é nome de teatro. Ah, Hiroldo leu a mensagem que você enviou no velório do Seu Haroldo. Foi tão bonito. Um encontro triste, mas muito emocionante. Ali, a gente ainda tinha o alívio dos abraços.
Antes que eu esqueça, essa carta é de alegria. É para dizer da gratidão por tanta coisa linda que você fez nessa trajetória tão coerente e tão delicada. É impressionante como o tempo passou por você sem parecer causar grandes incômodos. Daqui da plateia, a impressão que a gente tem é que Aderbal Freire-Filho sempre esteve um pouco adiantado no mundo. Aquele último texto que você escreveu para a Folha de São Paulo, publicado já com você internado por conta do AVC, deixa isso bem claro. Você não é da turma que pensa o teatro por streaming como um cinema ruim. Pelo contrário, advoga que o tal do teatro online pode estar chegando para ficar.
Pois, olhe, quando esse futuro chegar, se é que não já chegou, a gente quer e precisa de você por aqui. É sempre muito bom ir acompanhando suas aventuras, suas criações, suas teses. Desde que me peguei interessado por teatro, você tem sido um importante e decisivo professor. A primeira vez que vi um dos seus romance-em-cena quase que não dei conta de tanta alegria. A gente aprende muito lendo seus textos, acompanhando suas montagens e, principalmente, vendo a rede enorme de afetos que você construiu com o seu teatro. Desde o Ceará!
Acho lindo o pessoal do El Galpón ter você como “el más uruguayo de los brasileros”, mas sigo fazendo confusão com quem tem você por “carioca”. Apagar o teatro que você fez por aqui, é apagar aquele teatro. Sabe? Impossível! E tem mais, meu amigo, você ia gostar muito dos teatros que temos feito. Aquele sonho do velho B. de fazer teatro na universidade tem rendido bons frutos, com muita gente interessante produzindo. O Cineteatro São Luiz e o Teatro São José agora são públicos. Além disso, temos uma rede de salas espalhadas também pela periferia da cidade.
Fortaleza segue aquela contradição de sempre. É uma cidade encantadora, mas ainda interessada por novidades de gosto duvidoso. De vez em quando, tem uma gente esquisita vestida com camisa da seleção pelas ruas pregando umas ideias tortas. Dia desses, houve até quem comemorasse o lançamento de um prédio com elevador para carros. Acredita? Mas essa é uma outra história!
É isso, meu amigo. Daqui de longe, minha torcida mais entusiasmada é pela sua recuperação.
Feliz aniversário! Vida longa!
Magela Lima é pesquisador e crítico de teatro. Está no Instagram.