Bemdito

Crianças e adolescentes trans devem ser, sobretudo, felizes

Como Alexia Brito, a Bota Pó, nos faz pensar sobre a urgência da proteção de jovens LGBTQIA+ no Brasil
POR Geórgia Oliveira

Eu me encantei pela Bota Pó no primeiro stories de café na taça. Desde então, os stories de Alexia Brito, “a botinha, a bota puere, a botadora de pó” são das poucas coisas que me trazem diversão genuína ao longo do dia. O apelido veio dos tutoriais de maquiagem que a adolescente de 16 anos, moradora de Bacabal, no interior do Maranhão, fazia no instagram. Desde então, mais do que os memes divertidíssimos e as produções de looks e maquiagens, chamou a atenção a rotina simples de uma adolescente sendo feliz com sua família e, com naturalidade, assumindo ser uma menina trans.

Alexia posta vídeos brincando com sua avó, viajando, rindo com as amigas, em sua rotina na escola, nos momentos de beleza, cuidando do cabelo e se maquiando. Além disso, as postagens publicitárias da Bota Pó também são sempre divertidas, tendo inclusive estrelado uma campanha do Governo do Maranhão sobre a Plataforma Educacional Gonçalves Dias, que aborda conteúdos educativos produzidos por professores da rede pública estadual. 

No entanto, como de praxe em um país cisheterossexista e no qual autoridades públicas sentem-se autorizadas a desprezar publicamente a população LGBTQIA+, o senador maranhense Roberto Rocha (PSDB-MA) questionou a campanha, publicando ofensas LGBTfóbicas sob o pretexto de “proteção das crianças”, ignorando ele mesmo o fato de estar agredindo uma adolescente que nada mais fez do que apresentar aos seus colegas, também estudantes da rede pública, uma ferramenta educacional útil para quem ainda não podia frequentar a escola presencialmente

Mas os intolerantes passaram, e a Alexia passarinho. Entre ser e não ser, ela continua sendo uma menina espontânea, compartilhando suas conquistas nas redes sociais com uma comunidade de fãs que só cresce. Em um tempo em que gente tão moralista, preconceituosa e intolerante fala toda e qualquer barbaridade sob o pretexto de estar “protegendo as crianças”, gostaria de proteger a Botinha e todas as crianças e adolescentes que, como ela, merecem ter liberdade, autonomia e proteção para serem felizes e expressar sua orientação sexual e identidade de gênero.

Somos o país que mais mata pessoas trans no mundo e um dos países mais violentos para a população LGBTQIA+ em geral, isso nunca pode sair do campo de preocupações prioritárias para a nossa sociedade. Mas, no meio do horror, é preciso cultivar esperança, luta e segurança para crianças e adolescentes como Alexia. Que possamos dar às crianças LGBTQIA+ o que não pudemos dar à pequena Keron Ravache. Que a Botinha, assim como todas as pessoas trans, tenha direito a um presente feliz, a um futuro seguro e a olhar para seu passado e sentir orgulho da sua trajetória.

Geórgia Oliveira

Pesquisadora em violência de gênero, é mestra em Direito pela UFC, professora universitária e atua com divulgação científica em pesquisa jurídica no projeto Pesquisa e Direito.