Bemdito

Duas tábuas, uma paixão e muitas histórias

Realizado no último mês de maio, o Colóquio Teatro e Sociedade: Novas Perspectivas da História Social do Teatro tem suas reflexões reunidas em volume recém-publicado pela 7 Letras
POR Magela Lima

Eugenio Barba realizou, falou e escreveu maravilhas sobre a atividade teatral. Uma das ideias do mestre italiano que sempre me vem à cabeça é o que ele entende por “etnocentrismo do espectador”. Em resumo: a percepção do teatro de forma restrita ao palco, à cena; o fato de aquele ser confundido, quase sempre, como sinônimo desta.

Barba defende, entretanto, uma compreensão do teatro absurdamente mais alargada, na qual as observações devam englobar ainda os processos criativos, por mais que estes não se evidenciem, em sua totalidade, quando do encontro com o público. “Uma coisa é analisar o resultado e outra coisa é compreender como foi alcançado”, diz.

Daí, ensaiar, escrever, costurar, pintar, maquiar, construir e pensar passarem a ser verbos, entre tantos outros, que se conjuguem num horizonte daquilo que se tem por fazer teatral. Teatro e Sociedade: Novas Perspectivas da História Social do Teatro, livro recém-lançado pela editora 7 Letras, arrematando o colóquio realizado pelo grupo de pesquisa História do Teatro Brasileiro – Formação e Crítica, nesse sentido, é um belo exemplo de como o teatro também se faz de reflexões, de ideias, de histórias.

Organizado a partir de três grandes eixos – a atuação da imprensa e a formação de públicos, a construção da figura social dos atores e a produção dramatúrgica –, a publicação reúne 16 textos de pesquisadores de diferentes instituições nacionais e internacionais, em diferentes abordagens e metodologias de investigação, acentuando a diversidade no campo dos estudos históricos do teatro.

Estão à frente do projeto os pesquisadores Valmir Aleixo, vinculado à Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, Henrique Buarque Gusmão, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Tania Brandão, professora da Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.     

Em sua primeira parte, o livro vai aproximar textos articulados a partir das conexões possíveis entre teatro, imprensa e público. Monica Velloso, em suas discussões, vai revisitar a revista O Mercúrio, de 1908. Orna Levin retoma o período regencial e observa a centralidade do Teatro Constitucional Fluminense, no Rio de Janeiro, no contexto dos debates sobre a formação nacional que então se davam.

Thiago Herzog descortina o passado do teatro yiddih como fator de agregação da comunidade judaica em suas diásporas. No artigo de Valmir Aleixo, por fim, o leitor é apresentado ao periódico A Estação Theatral, publicado entre 1910 e 1912.

 Em sua segunda seção, Teatro e Sociedade: Novas Perspectivas da História Social do Teatro vai por evidência à estruturação da imagem pública dos atores. A esse respeito, Tania Brandão lembra que, na maior parte do tempo histórico, existiram formas teatrais, sem, no entanto, existirem atores nomeados, identificáveis, mas, sim, sombras humanas cênicas anônimas.

Em suas discussões, Tania Brandão se concentra na produção nacional do século XIX e destaca artistas como João Caetano (1808-1863) e Vasques (1833-192, além da francesa Aimée (1845-1887), que abalou a sociedade carioca em 1864. Por sua vez, Luis Artur Nunes vai se dedicar à figura do ator rapsodo. Já Jussilene Santana vai recuperar as noções de atuar pautadas pelo diretor norte-americano Charles McGaw (1914-1980), considerando particularmente sua passagem pela Escola de Teatro da Bahia.  

Com foco na dramaturgia, a terceira e última parte do livro traz textos de pesquisadores como Diógenes Maciel, em novo encontro com a escrita de Lourdes Ramalho, abordando agora aspectos e contextos da peça Muito além do arco-íris, de 1978.

A partir dos textos de Toda nudez será castigada, peça escrita por Nelson Rodrigues em 1965, e Navalha na carne, dramaturgia de Plínio Marcos que chega aos palcos em 1967, Henrique Gusmão discute a formação de campos no contexto da produção dramatúrgica nacional. Fabiana Fontana descortina o porquê da escolha de Romeu e Julieta para inaugurar o projeto modernizante do Teatro do Estudante do Brasil em 1938. Marcus Fritsch apresenta a dramaturgia do russo Viktor Slavkin (1935-2014). Fechando a seção, Luiza Larangeira identifica as autorreferências de Shakespeare em sua obra.  

Teatro e Sociedade: Novas Perspectivas da História Social do Teatro conta, ainda, com uma prestigiada colaboração de autores estrangeiros, reunindo produções de nomes como Georges Banu, professor emérito de Estudos Teatrais na Université Sorbonne Nouvelle, Jean-Claude Yon, professor da Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines, Jorge Dubatti, diretor da Escola de Espectadores de Buenos Aires, e Gabriele Sofia, da Universidade de Grenoble Alpes.

Longe de abarcar a potência dos encontros do colóquio de maio, Teatro e Sociedade: Novas Perspectivas da História Social do Teatro, a publicação, além de fortalecer o horizonte da historiografia teatral, desperta interesse para a próxima edição do evento. 

Magela Lima

Crítico e pesquisador de teatro, tem mestrado e doutorado em Artes Cênicas.