Espetacularização da violência nas redes sociais
Nos últimos dias, um comportamento especialmente pernicioso voltou a invadir a Internet. A morte de Lázaro Barbosa, “o serial killer do DF”, como esperado, ocupou não apenas os noticiários, mas também as publicações e conversas em redes sociais. A tragédia vivida pelas vítimas e as discussões sobre os erros e acertos na operação, no entanto, foram nubladas pela experiência de compartilhamento da imagem de uma morte brutal.
Entre uma checagem de mensagens e outras, o WhatsApp voltou a nos provar que a invasão e o rompimento dos limites individuais se tornaram a regra da convivência virtual. Não foram uma ou duas fotos. Elas não foram compartilhadas em um ou dois grupos. O dia foi marcado pela circulação de imagens chocantes para quem não acha normal tomar um café admirando um corpo fuzilado.
Não é a primeira vez. Na verdade, parece haver um mórbido prazer em divulgar fotos e vídeos nauseantes, às vezes com o propósito de comemorar a morte de alguém, às vezes apenas pela disposição em circular aquilo que é chocante.
Ao tempo da chacina no Presídio de Pedrinhas, no Maranhão, demorou dias até que os vídeos que nos levavam às portas do inferno parassem de chegar aos nossos celulares. Em conduta normalizada pelo código de condutas virtuais – entre a perversão e uma deslocada ideia de “informação” -, as imagens continuam a invadir os canais sem qualquer aviso prévio.
Sempre que recebo algo dessa natureza, lembro-me de uma aula, há alguns anos, sobre sociologia da conflitualidade em que discutimos como a violência teria se tornado uma forma de sociabilidade e como a espetacularização torna o terror uma experiência de consumo, não apenas na mídia ou nos programas policiais, mas também nas artes.
Um exemplo é o que Joachim Michael, ao examinar a literatura mexicana, chamou de “narcoliteratura”. Marcada pela construção de ficções que não apenas retratam, mas criam encenações da violência, as fronteiras entre a barbárie e a civilização são rompidas, fazendo com que os leitores experimentassem a incômoda quebra com os limites da normalidade.
A perda de sensibilidade coletiva em relação aos extremos da violência soa especialmente aterrorizante. O que talvez tenha iniciado como uma falta de decoro individual e a impressão equivocada de liberdade para compartilhar imagens violentas sem qualquer aviso tem ganhado forma e popularidade.
Ocorre que a banalização da violência, além de influenciar a forma de pensar e agir dos indivíduos, ao deslocar a fronteira entre o normal e atroz, gera uma mal-estar generalizado e uma sensação de que o terror está sempre ao alcance das mãos.
A repulsa por esses comportamentos tem uma dimensão de ordem individual e outra social. Por que alguém imagina estar autorizado a enviar isso a quem não pediu? Como saberemos qual é a última porta da civilidade?