Estratégias para não surtar (ou surtar menos) em meio ao caos
Quais são suas estratégias de sobrevivência psicológica e física durante a pandemia?
Camila Holanda
camilasoaresholanda@gmail.com
“Muita mutreta pra levar a situação/ Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça”, cantou Chico Buarque em 1976, durante a ditadura militar, aquele regime autoritário que o atual presidente celebra
Na semana passada, o Brasil ultrapassou 400 mil mortos pela Covid-19. 400 mil. São pessoas, histórias. Um dia depois de registrada esta marca do genocídio escancarado que acontece no País, uma carreata se lançou às ruas de Fortaleza e de outras cidades brasileiras para declarar apoio ao presidente responsável por algumas das piores marcas da pandemia no mundo. Utilizando-se das cores verde e amarelo, furtadas de nossa bandeira, no interior de seus veículos seguros com ar-condicionado, covardemente, defenderam o fim do isolamento social e outras medidas antidemocráticas.
No final do ano passado, 19 milhões de pessoas não tinham o que comer no Brasil, enquanto mais da metade dos domicílios no País enfrentavam algum grau de insegurança alimentar. Já a taxa de desemprego no País foi de 14,4% no trimestre encerrado em fevereiro deste ano. Dias atrás, lembro-me de ter lido as notícias que davam conta dos 10 novos bilionários do Brasil que se unem ao seleto clube de 65 figurões com as contas bancárias que guardam dinheiros aos borbotões.
Penso daqui, dentro do meu isolamento social: que estratégias para surtar menos em meio ao caos, nós adotamos? O que é possível fazer diante destes tempos tenebrosos de imprevistos, pandemia, desigualdades, Bolsonaro e bolsonaristas? Para os bilionários, percebe-se que uma estratégia tem sido mesmo seguir tocando seus negócios e ampliando as desigualdades do capitalismo. Para os verde-e-amarelos, disseminar as falácias do presidente deve tomar bastante tempo no dia, diante das telas de seus smartphones repletas de fake news, vide o ponto a que chegamos no país.
Então, lendo as notícias, conversando com pessoas, quase que fiquei com vergonha de escrever sobre minhas estratégias, as tais tentativas de não surtar ou de diminuir os impactos do surto coletivo (e individual) que vivenciamos. Outro dia, uma amiga enviou uma mensagem exibindo o novo vibradror, comprado virtualmente. Era o primeiro dela, adquirido nestes tempos sombrios, para tilintar em casa, entre uma neura e outra. Meu pai, desde que iniciou esse caos chamado pandemia, isola-se na casa dele com muito rigor e poucas concessões, a não ser para ir ao supermercado e fazer uma caminhada na pracinha perto da casa dele. Durante os dias, interage com Nilo, nosso cachorro, que senta encostando a barriga quentinha no dorso do pé de papai.
A Liduína, que mora no Icapuí, irmã do Vevei, filha de Margarete, mãe de seis filhos, plantou feijão e espera a chuva que demora a cair no assentamento onde ela mora. Teve coragem de romper com o ex-marido abusivo ano passado, já durante a pandemia. Para ela, na verdade, são estratégias de sobrevivência. Estas vidas se cruzam de diversas formas, ao mesmo tempo em que são tão diferentes, mas têm algo em comum: as tentativas de resistência seja emocional, financeira ou fisicamente.
Comecei a refletir sobre isto na terapia (virtual), quando deu aquele estalo sobre, durante a pandemia, eu ter me tornado uma pessoa cheia de manias, que fica extremamente irritadiça quando perde o controle das situações. Ou seja, tento controlar o mínimo que posso, dentro do meu dia a dia.
Fui percebendo que inventei outras estratégias ao longo desses meses, como mudar de emprego, fazer atividade física no final do dia, assinar uma curadoria de livros, conversar com mamãe diariamente por mensagem ou ligação. Pedir a opinião dela para as coisas mais bobas do dia a dia, desde a feitura de um bolo de laranja ao modelo do computador que vou comprar, depois que o meu, este aqui no qual escrevo, começou a dar sinais de colapso (até ele).
Cuidar de plantas também é uma forma de resistência. Aprendi no YouTube a fazer uma calda de cebola que promete espantar as pragas das folhinhas. No dia em que fiz pela primeira vez, descobri que a autora do vídeo morreu meses atrás. Percebi, mais uma vez, que não temos mesmo o controle.
Camila Holanda é jornalista e mestranda em Comunicação na UFC. Escreve conteúdos com perspectiva de gênero.