Bemdito

MateusFazenoRock e Charles do verbo charlar

O atrevimento e a ousadia dos artistas estourados que fazem estrondo, poesia ou deboche por onde passam
POR Ivna Girão
Foto: Chepive e Welly Soares / Arte: Charles Lessa

O atrevimento e a ousadia dos artistas estourados que fazem estrondo, poesia ou deboche por onde passam

Por Ivna Girão
ivnanilton@gmail.com

Jantar feito. Torta de ervilha na mesa. Me sirvo. Agradeço a comida no prato e desejo que ninguém durma com fome. Chamo Maria, ela pede bem muito caldo de feijão com arroz, tipo uma sopa. A menina bota, para desespero, várias colheres de farinha. Estranho a mistura: farofa melada é esquisito. Ela brinca, “besteira, mãe, aceita a novidade”.

Com o frescor de brincar com um novo sabor, aprendizado de Maria para mim e para o mundo, apresento dois artistas cearenses que me chegaram recentemente: MateusFazenoRock e Charles Lessa. São a novidade que grita atrevimento, beleza, ousadia e alegria. Viva o novo que já chegou! 

MateusFazenoRock
MateusFazenoRock é som arejado, gostoso, das áreas. É paisagem sonora da Praia da Leste. É daqueles que fazem a gente querer pegar a bike, descer a ladeira do Dragão do Mar e cair direto no mar, é batida boa pra dançar, ora pra curtir a lombra boa de uma tarde na rede, ora para agitar o corpo e se afetar com o peso de cada rima que é pancada.

MateusFazenoRock faz Melô do Djavan, mas não se iludam: o jovem, artista negro da periferia, faz estrondo com críticas fortes e necessárias, joga a real para quem ainda não entendeu nada. Seu som é “elefante na sala”, incomoda de um jeito que te faz pensar, não passa despercebido, é das quebras, rocheda, é pedra sentimento. 

“Eu calo a boca, e ainda assim a boca fala
A boca fala, fala o que quiser de mim
E o som uníssono vai invadir tua sala
Que saia fora quem tiver achando ruim”
(Bem lentinha/slowmotion – Mateusfazenorock)

E MateusFazenoRock, além de ser estourado no YouTube, é artista que se faz no coletivo, no terreiro do quintal, entre bacias e roupas pra lavar, ele é cria das perifas: o ensaio é no chão batido com cenário de redes estendidas para secar, reúne a turma que faz arte e cultura nas quebradas, é orgânico, é feito pra ganhar o mundo com sua criatividade e ousadia, é voz negra que não canta sozinho. E nesse corre, ele divulga, no Instagram, a campanha de financiamento para a produção do seu segundo álbum, FZNRCK: Jesus Ñ Voltará! Clica aqui para apoiar.

“Produzido e pensado por gente preta e indígena que atravessa a cidade para fazer seus corres, que luta por existência e diversão e por uma vontade de fortalecer o que acontece dentro de casa, nas sua zárea, na sua comunidade, no seu território, na sua cabeça, Jesus ñ voltará é parte do movimento de lembrar aquilo que insiste em ser esquecido”, diz o artista.

Charles Lessa
Ainda falando sobre novidades, apresento aqui outro artista cearense que viciei em acompanhar o feed. Cada postagem nova é um frescor, um humor. Charles Lessa é Movida Madrilena, é atrevido, divertido, é vento vindo do Cariri, é “Charles do verbo charlar, é busca pela beleza convulsiva”. Lessa e o seu colorido são puro deboche. Com ilustrações distópicas, é arte vaca-profana na cara dos caretas. Cavalos alados, corpos livres, sexualidades diversas, formas destoantes.

Com humor, ele ri da sua própria arte, faz graça enquanto denuncia, com alegria, que a liberdade é, sim, vigiada, mas há sempre uma folia afrontando a tradição. Ele é zombeteiro, é afrontoso. E sabe o que é mais gostoso? Lessa nem liga pros “puretas”. Entre monjas tibetanas e heroínas gays solitárias, o artista revela um sonho antigo: “que na próxima existência, se houver, eu nasça girafa”. Venha como quiser, meu bem, que o mundo é teu. 

Ivna Girão é jornalista e Coordenadora de Comunicação da SECULT. Está no Instagram.

Ivna Girão

Jornalista, historiadora e escritora, é coordenadora de comunicação da Secretaria de Cultura do Ceará.