Bemdito

Mulheres, parlamento e representação política

Um convite para que enxerguemos divergências, disputas e consensos como inerentes à dinâmica política da democracia
POR Paula Vieira
Foto: Luis Macedo/ Câmara dos Deputados

Volta e meia me pego pensando sobre representação política e os caminhos possíveis para que seja de fato representativa. A ideia de proporcionalidade, por exemplo, é algo que defendo para que nossas instituições consigam contemplar as diversidades sociais do Brasil.

Dentro dos estudos sobre democracias, se há diversidade, há conflitos. O exercício da política institucional pelos agentes políticos é buscar quais os pontos de consensos podem ser construídos e quais disputas devem ser estabelecidas. 

Na CPI que investiga a Covid, o início da atuação da bancada feminina foi marcado por disputas de posições. Sem terem sido indicadas pelos seus partidos, conseguiram lugar fixo para que se revezassem nos questionamentos aos depoentes. Nesse espaço institucional, há um alinhamento da ação política entre as mulheres. Um ponto que demarca consenso. 

Para além da CPI no Senado, fiquei curiosa para descobrir os pontos de disputas e consensos no que chamamos de agenda política, ou seja, quais os temas que mobilizam prioritariamente os esforços das parlamentares na Legislatura iniciada em 2019.

Na Câmara Federal, de 513 cadeiras, 77 são ocupadas por mulheres. No Senado, de 81, temos 12 mulheres. Cada uma das Casas Legislativas possui, então, cerca de 15% das cadeiras, o que configura uma sub-representação que se torna obstáculo para a ampliação das disputas em torno de agendas. E não há agenda feminina única.

De um modo geral, na Câmara, segundo os dados do Observatório do Legislativo Brasileiro, as mulheres apresentam maior produção legislativa média em relação aos homens. A maior participação feminina, como autoras de proposições, é na área de direitos humanos, educação e saúde. Há, também, contribuições significativas para a fiscalização da máquina pública. 

Agenda feminina na Câmara

O ponto de consenso na agenda feminina da Câmara dos Deputados é construído em torno de proposições de combate à violência contra a mulher na contribuição de especificações da Lei Maria da Penha (medidas protetivas, formulário de avaliação de risco e divulgação do canal 180 para denúncias). No Senado, a bancada feminina atua consensualmente em duas pautas específicas: igualdade salarial e CPI da Covid.

A ponderação em torno da construção de uma agenda política feminina única está no perfil ideológico. Das mulheres eleitas em 2018, 44 são de partidos que estão alinhados em torno do governo de Bolsonaro. Como exemplo destas deputadas, Carla Zambelli (PSL) propõe a exigência de boletim de ocorrência na notificação de abuso sexual. 

Chris Tornieto (PSL) propõe a retirada do termo “gênero” em resolução do Conselho Nacional de Educação e, ainda, a proibição da linguagem neutra pela língua portuguesa. Assim, representam, na política institucional, a reprodução de valores que hierarquizam os poderes característicos das relações de gênero nas sociedades. 

Reflexo da estrutura social no parlamento

A discussão se complexifica quando observamos que o espaço social é reproduzido no espaço político. Um eixo importante para pensarmos mulheres na política é a divisão sexual do trabalho.

Historicamente, as mulheres são vistas como responsáveis pelo espaço doméstico e os homens, livres destas atividades, são determinados ao espaço público. Às mulheres, caberia a responsabilidade com filhos e com pessoas que necessitem de cuidados. E, quando decidem pelo trabalho remunerado fora de seu espaço privado, a máxima que determina seus afazeres continua a mesma. 

Para que uma mulher exerça sua atividade de trabalho remunerado, é necessário delegar os cuidados domésticos. Com alguma frequência, seja pelo apoio de familiares, em creches, seja pela contratação de pessoas, são mulheres a exercê-los. Temos aqui um recorte de classe explícito. E, ainda, devemos considerar os dados do Ipea, em que os lares chefiados por mulheres brancas possuem renda per capita 47,3% maior do que nos lares chefiados por mulheres negras.

Com referência nesses pontos, pensemos nas circunstâncias da participação das mulheres nos espaços políticos, desde as condições de militância em movimentos e/ou partidos. Por exercerem as duas atividades (pública e doméstica/remunerada e não remunerada), o tempo é a primeira assimetria que incide sobre a participação de mulheres, acompanhado pela renda, pelas redes de contatos, pelos julgamentos e pelas pressões sociais para que continue a ser a principal responsável pelos cuidados domésticos. 

Essa estrutura social apresentada possui correspondência na sub-representação no parlamento. Quanto menos mulheres em suas diversidades, menos os espaços políticos vão ser movimentados por disputas em torno de direitos e recursos que venham a construir uma agenda política. 

O desfecho desse texto é um convite. Um convite para que enxerguemos as divergências, disputas e consensos como inerentes à dinâmica política das democracias. Excesso de unificação significa que existe alguém silenciado. Assim, a presença política institucional das mulheres fortalece a capacidade de influência em torno de interesses para construção de uma agenda de direitos que estão em disputa. Cabe a nós movimentá-los. 

Paula Vieira

Doutora em Sociologia e professora da Unichristus. Integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM). Pesquisa sobre instituições políticas brasileiras com ênfase na dinâmica do Legislativo.