Bemdito

A politização (ou bolsonarização) das PMs: o que esperar das polícias militares nas manifestações de 7 de setembro? #2

Em análise realizada antes dos atos, uma reflexão conjunta sobre o que poderá ocorrer na data
POR Monalisa Torres
Foto: Marcello Casal Jr

Em coautoria com Lara Abreu*

Esta é uma pergunta difícil. Quando se considera o bolsonarismo, que sobrevive do caos que ele mesmo produz, as respostas ficam ainda mais imprevisíveis.

Analisar conjunturas políticas complexas como a nossa é sempre um trabalho desafiador. Por isso, caro(a) leitor(a), não espere aqui um exercício de futorologia, mas um convite para a reflexão.

Comecemos, então, pela característica fundante do bolsonarismo: a política do conflito. O presidente da República tem compensado a inexistência de uma agenda política positiva com o que já foi denominado, em outra ocasião, por “método bolsonarista”, ou seja, a produção/intensificação dos conflitos e dos tensionamentos entre atores e instituições em momentos de muita pressão. 

É através da radicalização que Bolsonaro mantém sua base mobilizada e reforça, junto a essa mesma base, a imagem de que é um “outsider lutando contra o sistema”. Sua força narrativa encontra lastro na insatisfação, no medo e no ressentimento de grupos sociais que se percebem sub-representados e descrentes das instituições, como as Polícias Militares. 

Então, numa tentativa de desmanchar esse discurso do medo de uma possível adesão em massa de policiais militares aos movimentos bolsonaristas do 7 de setembro, trazemos um conjunto de quatro questionamentos que nos conduzem a refletir esse momento. 

A primeira pergunta que podemos fazer é: qual é a legalidade da adesão dos policiais militares ao evento? Já abordamos sobre o assunto no primeiro artigo desta série, mas precisamos reforçar e trazer novos elementos. 

As polícias militares são proibidas, constitucionalmente, e por meio dos seus estatutos/regimentos estaduais, a participar de manifestações político-partidárias e de se unir em sindicalização. A legislação também proíbe policiais militares em inatividade de utilizar o uniforme nesse tipo de manifestação, sendo permitido, apenas, com a autorização do Comandante-Geral.

Ainda assim, diante de uma possível ameaça de participação de policiais em movimentos político-partidários, cabe aos Governadores dos Estados criar suas profilaxias: por exemplo, convocar o efetivo completo como forma de garantir o pronto-emprego dos militares diante da iminente ameaça à ordem social. 

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, ações deste tipo já estão sendo tomadas em 6 estados e no DF para coibir a adesão de policiais militares aos atos bolsonaristas do 7 de setembro. Mas, caso haja a participação de policiais militares no evento, seja como manifestantes ou incitadores, estes poderão ser punidos com o afastamento, a transferência ou até mesmo a exoneração.

Aqui também nos cabe um outro questionamento conexo, de cunho material: policiais militares são servidores públicos estaduais, logo, até que ponto estariam dispostos a sacrificar seus cargos públicos e os benefícios da carreira em troca dos arroubos golpistas do presidente?

Nosso segundo questionamento é: se os policiais militares não podem fazer greve, sindicalizar-se ou manifestar-se político-partidariamente, então a quem recorrem? 

Como alternativa, os policiais militares podem fazer as chamadas “greves brancas”, como as “operações tartarugas”, em que não deixam de “servir e proteger”, mas tudo muito lentamente. Outra estratégia é terceirizar suas demandas para as esposas que passam a realizar manifestações e protestos sem a mínima necessidade de encapuzamento.

Por fim, os policiais militares também podem recorrer às associações que passam a fazer as vias de sindicato. Entretanto, o que se percebe é a falta de um canal institucional que, de fato, possibilite que as reivindicações dos policiais militares sejam ouvidas e, consequentemente, atendidas, e isso tem contribuído para o aprofundamento de outro fenômeno, o da politização das PMs.  

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados em 2020, apontaram uma explosão de candidaturas de militares nas eleições de 2010 a 2020, com destaque para os pleitos de 2018 e 2020. Segundo o relatório do Fórum, 25.452 militares concorreram a algum cargo eletivo e, desses, foram eleitos 1.860 até 2018.

Muitos dos PMs que compõem o chamado “Partido Policial” ou “Partido Fardado” – um eufemismo para a antiga “bancada da bala” – reproduzem um discurso mais conservador, o qual encontrou em Bolsonaro seu porta-voz.

O Ceará tem exemplos emblemáticos. É o caso de Capitão Wagner, que iniciou carreira política em 2010, quando concorreu a uma cadeira na Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE) pelo PR. Na época, obteve 28.818 votos ficando na suplência de deputado. Um ano depois, como importante vocalizador das demandas das PMs, liderou o motim das polícias (2011/2012), tornando-se fenômeno eleitoral nas eleições seguintes para cargos no legislativo.

A reboque dos motins de 2011/2012 e do capital político de Wagner, outras figuras ligadas aos militares também ingressaram na vida político-partidária: Cabo Sabino, Sargento Reginauro, Soldado Noélio. 

O FBSP ainda publicou, no início deste mês, os resultados de uma pesquisa realizada nas redes sociais, com 651 profissionais de Segurança Pública, e concluiu que 27% interagiam (curtidas, comentários e compartilhamentos) com páginas bolsonaristas e 24%, em redes bolsonaristas radicais.

A pesquisa concluiu que o bolsonarismo se faz mais presente entre os policiais militares: 44% dos oficiais e 51% dos praças interagem com essas páginas. Esses dados nos revelam, ainda, o quanto as Polícias Militares estão cindidas pelo bolsonarismo, em todos os seus graus hierárquicos. 

Por que PMs são bolsonaristas?

Mas, esses dados também nos encaminham para a nossa terceira reflexão: por que as Polícias Militares são bolsonaristas? Uma possível resposta poderia ser dada pelos artigos 142 e 144 da CF, os quais congelaram o nosso modelo de polícia ao entulho militar ditatorial, reprodutor de crenças e valores orvilianos e de uma hierarquia monárquica e autoritária, que garante a oficiais o direito pleno de punir.  

Aqui, gostaríamos de fazer uma importante ressalva: as polícias militares não são um bloco monolítico, logo nem todos os PMs são bolsonaristas; nem todos os PMs bolsonaristas são bolsonaristas pelos mesmos motivos; e, nem todos os PMs bolsonaristas estão dispostos a adotar o discurso golpista do presidente. 

Por fim, caro(a) leitor (a), nossa última reflexão é uma ampliação da pergunta -título deste artigo: o que esperar deste 7 de setembro? Podemos esperar o inesperado. Podemos assistir desde coros esdruxulamente ritmados de “Brasília vai tremer”, passando por um front teatral a la 300 de Sara Winter ou até mesmo uma versão antropofágica da invasão do Capitólio. O fato é, caro leitor (a), que neste 7 de setembro, com ou sem policiais aderindo aos eventos, teremos, como diria Guimarães Rosa, “o Diabo na rua no meio do redemoinho”.

*Lara Abreu é doutoranda em Sociologia pela Uece, mestre em Políticas Públicas e pesquisadora do Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética (Labvida/Uece).

Monalisa Torres

Doutora em Sociologia pela UFC e analista em jornais, integra o projeto "Governos estaduais e as ações de enfrentamento à Covid-19 no país", organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política e o jornal O Estado de S. Paulo.