Bemdito

Quando poderemos enfim respirar?

O que a expressão de surpresa no rosto de Derek Chauvin, ao receber a condenação pelo assassinato de George Floyd, diz sobre o pacto narcísico da branquitude
POR Izabel Accioly
Foto: Reprodução

O que a expressão de surpresa no rosto de Derek Chauvin, ao receber a condenação pelo assassinato de George Floyd, diz sobre o pacto narcísico da branquitude

Izabel Accioly
mariaizabelaccioly@gmail.com

No último dia 20 de abril, Derek Chauvin, ex-policial branco, foi condenado pelo assassinato de George Floyd, cidadão negro. O caso ocorreu em 25 de maio de 2020 durante uma abordagem policial em que Chauvin manteve Floyd imobilizado embaixo de seus joelhos, o sufocando por nove minutos enquanto a vítima gritava “eu não consigo respirar”. O caso ganhou ampla repercussão e mobilizou manifestações ao redor do mundo que deram maior visibilidade ao racismo estrutural e a violência policial principalmente pelo movimento Black Lives Matter. É inegável que no ano de 2020 as tensões raciais foram uma pauta constante na mídia. A pressão popular certamente foi ponto importante para a condenação do ex-policial.

Nunca esquecerei a expressão de surpresa no rosto de Derek Chauvin ao receber a condenação pelo assassinato de George Floyd. Os movimentos dos olhos, as piscadelas nervosas, a aparente desorientação. Ouso dizer que o acusado contava com o pacto narcísico da branquitude – como diz Maria Aparecida da Silva Bento, em sua tese Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público -, ou seja, quando pessoas brancas se unem para manter seus privilégios raciais. Derek estava certo de que os outros brancos estariam ali para lhe proteger e entender seu argumento de que estava apenas cumprindo sua função enquanto policial. Entretanto, numa decisão histórica, o júri popular foi unânime em indicar Derek Chauvin culpado nas acusações de assassinato não intencional em segundo grau, assassinato em terceiro grau e homicídio culposo. O ex-policial pode ficar preso por até 75 anos.

Esta condenação é emblemática, fruto da pressão do movimento de luta antirracista. Reconheço esse julgamento como uma resposta para este caso em particular, entretanto, sabemos que ele não resolve a violência policial, muito menos o racismo estrutural. O sistema penal foi criado para controlar e punir os corpos negros. Não esperemos que este sistema nos dê a justiça que ansiamos. Precisamos estar atentos para que a condenação do assassino de George Floyd não seja apenas um instrumento de apaziguamento das tensões raciais, que não nos arrefeça na luta por transformação social. Pelo contrário, que nos dê fôlego para continuar na luta contra o racismo estrutural e para que um dia nossos descendentes possam enfim respirar em paz.

Izabel Accioly é antropóloga, professora e pesquisadora das temáticas de relações raciais e branquitude. Está no Twitter e no Instagram.

Izabel Accioly

Mestra em Antropologia Social pela UFScar, é pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Relações de Poder, Conflitos e Socialidades da USP/UFScar.