Bemdito

Rest In Peace

Flores, bandeira a meio mastro e clima sombrio no Palácio de Buckingham. Quem mais tá indiferente?
POR Cintia Bailey
Foto: Roger Harris

Flores, bandeira a meio mastro e clima sombrio no Palácio de Buckingham. Quem mais tá indiferente?

Cintia Bailey
cintia.bailey@outlook.com

Com a morte do príncipe Philip, marido da rainha, as redes sociais agora são pura tristeza. Todo mundo enviando suas mais profundas condolências para a família real e expressando o quanto que Philip se dedicou ao povo do Reino Unido, aos países da Commonwealth e à sua família.

Costumo evitar as notícias e a internet quando alguém assim morre. Não há mais nada além disso e o exagero fica insuportável. Aqui, os programas da BBC foram interrompidos pelo resto do dia após sua morte ontem e todos vocês conhecem pelo menos uma pessoa que colocou uma foto de Philip no Instagram dizendo ‘Descanse em Paz’. Eu entendo, é triste.

Mas talvez eu tenha ficado amarga demais depois desses meses horríveis de coronavírus e com absolutamente nada de edificante acontecendo pra sentir alguma coisa por ele. Desculpa.

Eu, na verdade, prefiro o outro lado disso tudo. Aquelas postagens engraçadas e sarcásticas (para alguns, de mau gosto), que vão direto ao que há de pior na monarquia. Podem estar aparecendo no momento errado, mas sempre vale a pena reforçar a mensagem, a meu ver.

Todos vocês podem discordar e tenho certeza que alguns irão, mas a instituição da monarquia é antiquada e está se tornando cada vez mais deslocada na sociedade contemporânea. Quando um deles se casa, tem um filho ou, como ontem, morre… fica ainda mais óbvio.

Eu nem vou entrar no fato de que a monarquia permaneceu quietinha sobre como se beneficiou do racismo e do colonialismo todos esses anos. E como podemos esquecer o envolvimento do Príncipe Andrew no escândalo de Jeffrey Epstein e, mais recentemente, as alegações de Meghan Markle e o Príncipe Harry de que seu filho foi submetido a racismo dentro da casa real?

O que realmente me irrita é a hipocrisia. Existe uma grande ironia na retórica daqui sobre a “arrecadação de benefícios” pelo cidadão comum, enquanto a família mais proeminente do país vive luxuosamente, graças aos bolsos de sua população. A característica mais ofensiva da monarquia, na minha opinião, é que ela é uma propaganda de que o “pedigree” ainda importa. Que loucura ter, em 2021, um sistema que garante, por lei, que uma família receberá subsídios financiados pelo contribuinte, palácios para viver, proteções especiais da justiça criminal… E no meio de tudo isso, um país atrás deles, esperando pacientemente para ver seus recém-nascidos, seguindo as últimas fofocas, e raivosos quando Meghan e Harry decidiram dar um passo para trás porque, né, ‘como ousam?’. Sou amarga, mas o povo britânico (bem, alguns) realmente ama a família real e acredita que vale cada centavo gasto com eles. A mídia daqui não os critica e, acho, possibilita o mito de que a monarquia é habitada por pessoas maravilhosas.

Por fim, um dos grandes feitos da realeza é fazer as pessoas acreditarem no tanto de dinheiro que gera para o Reino Unido em termos de turismo. Eu discordo. Gosto muito de um comentário que li outro dia sobre esse assunto: “a França, especialmente o Palácio de Versailles, recebe bilhões de euros em turismo e sabemos o que a França corajosamente fez com sua monarquia…”

Desculpa!

Cintia Bailey

Jornalista e podcaster, trabalha com comunicação no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra e é criadora e host do podcast Chá com Rapadura.