Bemdito

Roma que peça perdão a Juazeiro e viva Gilmar de Carvalho

De um hotelzinho de São Paulo à cúpula Católica Apostólica Romana, as memórias de uma admiração
POR Xico Sá

De um hotelzinho de São Paulo à cúpula Católica Apostólica Romana, as memórias de uma admiração

Xico Sá
bemditojor@gmail.com

Na última conversa com o professor Gilmar de Carvalho, ele exaltava o lado pop do Padre Cícero e as invenções do comércio de Juazeiro em torno da mitológica figura do santo da massa nordestina. 

“Você já viu as garrafinhas pet de água mineral em formato da estátua? O Cariri é essa riqueza, seja na tradição ou nas artimanhas pós-modernas para reciclagens históricas”, dizia o autor de Parabélum (ed. Armazém da Cultura), durante o teste de som para um bate-papo que fizemos no canal de Youtube da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), nos primeiros meses da pandemia da Covid-19.

Gilmar seguiu com o seu bendito-exaltação à bela bagaceira do comércio dos camelôs. “Aquelas barraquinhas do horto com meu Padim e Madonna juntos, que extraordinário”, lembrou dos anos 1990. O olhar nada óbvio de um apanhador de cacos e imagens para emendar uma sabedoria inteira. Com os estudos sobre xilogravura, poesia popular  e Patativa do Assaré, o professor adotou e foi adotado pelos caririenses. 

Ai de mim, Walter Benjamim, para agradecer com afeto e doce de buriti.

Conheci Gilmar de Carvalho graças ao amigo Paulo Mota, 1995, em São Paulo, no hotelzinho em que o acadêmico morava, próximo à PUC, no bairro das Perdizes. Encanto radical à primeira vista. Aquela maneira de falar do Nordeste sem o filtro do folclore e dos clichezões me ganhou de vez. Depois virei leitor e observador atento a tudo que vinha desse homem.  

Voltemos à fita ao nosso último encontro no zoom. O tema era Padre Cícero, em uma série da Fundaj chamada Grandes Personalidades da História do Nordeste. Eu todo conservador, botando fé na reabilitação lenta e gradual que a cúpula Católica Apostólica Romana tem feito sobre o filho ilustre do Crato. No que Gilmar, entre o tímido e o espalhafatoso, mira a câmera do seu notebook e blasfema: “O Vaticano que se dane, comete o eterno pecado de ter criado caso com esse homem, que moral tem essa igreja? O pedido de perdão está com as mãos trocadas. Roma que peça desculpas ao Juazeiro”.

Com o avanço das igrejas neopentecostais, observava o professor da UFC e do mundo, lógico que há o interesse do poder católico em recrutar o Padre Cícero para os seus altares oficiais. Questão de disputa de almas e mercado.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de Big Jato (Companhia das Letras), entre outros livros. Está no Twitter.

Xico Sá

Jornalista e escritor.