Bemdito

Um pacto foi feito, já não há mais volta

Em performance com o Bode Ioiô, Sy Gomes traz à cena a denúncia da invisibilidade trans
POR Ivna Girão

“Ioiô não vai votar”. Há menos de um ano para as eleições de 2022, o debate já segue nas ruas e nas redes, assim como as esperanças seguem acesas para um novo tempo. Mas antes mesmo de qualquer anúncio oficial de chapa ou coligação, uma pauta tem chamado atenção e já ganhou meu voto, além do que irá derrubar esse desgoverno atual: a cidade que elegeu um bode, é a mesma que nunca nenhuma travesti foi eleita em toda a história. 

Além do #ForaBozo, as urnas precisam, em 2022, trazer novas representações: negras, indígenas, quilombolas, ciganas, jovens periféricos, trans, travestis e tantas outras. E para refletir o grito das ruas, o movimento já deve vir de agora. E a multiartista cearense Sy Gomes já avisou: “Ioiô não vai votar, Um pacto foi feito, já não há mais volta”.  

Em parceria com o Museu do Ceará, equipamento da Secult Ceará, Sy Gomes realizou uma performance com o Bode Ioiô, junto aos fotógrafos David Felício e Jorge Silvestre, para discutir a invisibilidade trans nos espaços de memória e a LGBTfobia na política. Sy traz, em sua obra, a questão: um bode seria mais relevante que uma travesti na política de Fortaleza, a capital do segundo estado que mais mata pessoas trans e travestis no País. A multiartista brada, no seu corpo e na sua existência, um protesto para que mais travestis possam viver e ter presença, reivindica também a preservação da memória trans em acervos. Esse processo integra o projeto “Ioiô não vai votar”, e a criação resultará, logo mais, em uma série de painéis que serão expostos na Casa do Barão de Camocim, dentro da exposição do Laboratório Experimental da Rede Cuca. 

Entenda: em 1915, ano de seca nessas terras, chegou aqui um bode. Se tornou um ícone da cultura cearense e um marco na história de Fortaleza. Segundo memorialistas, a população discordante votou nesse dito bode, em resposta às insatisfações políticas. Bode Ioiô era o nome dele. Porém, esse ser animalesco, histórico e político, nunca chegou a ser empossado vereador. Fortaleza já chegou a quase eleger um bode para vereança, mas nunca elegeu uma travesti.

E para adiar o fim do mundo e trazer novas esperanças e representações para 2022, convido a população a trazer de volta essa cidade discordante e não mais eleger um bode, mas trazer para o centro do plenário e do debate, a voz, o corpo, a vida travesti. Conheçam o trabalho de Sy, é de uma potência imensa, “para que travestis também possam durar 100 anos”.

Ivna Girão

Jornalista, historiadora e escritora, é coordenadora de comunicação da Secretaria de Cultura do Ceará.