Um retrato para cada despedida
A pequena utopia de querer guardar quem deixamos para trás
Iana Soares
ianascm@gmail.com
Todas as vezes que você foi embora, eu quis fotografar seu rosto. Se tivesse conseguido, poderia dizer, com exatidão, as palavras que estavam nos seus olhos. Não registrei nem a véspera nem o dia seguinte, esses pequenos intervalos em que a presença e a ausência podem dar algum sentido ao que, em breve, estaria cada vez mais longe de mim.
Passou a ser frequente. Na falta do retrato, comecei a enxergar você no mundo. Eu ainda não sabia que era você (quem era você) quando me vi diante de uma parede branca, com bordas vermelhas, tomada pelo verde do entorno. Havia caminhado mais de 10 quilômetros. Por que me demorei naquele instante? Coloquei você na parede da sala. Observo enquanto escrevo. Ao lado, uma samambaia e outra planta alta que não sei o nome. Gosto de plantas.
Tantos passos e você. Uma porta azul que dava para lugar nenhum. Uma casa enferrujada, sem janelas. Uma escada para onde? Não sei. Um túnel, sem luz e clichês. Uma luz que dourava o tempo. Guardei tudo em um álbum barato, capa de papelão e folhinhas de plástico, desses que a gente coleciona sem acreditar no tempo. Não marquei a data.
Olho tudo outra vez e mais uma. Enxergo o abandono, mas não consigo dizer se está na imagem ou nos meus olhos de agora. Vejo a confusão de não saber para onde você queria ir mesmo quando já tinha partido. Encosto no silêncio, um lençol fino e curto que tenta mas não esconde o que é possível ouvir, mesmo longe. Reparo na beleza da vida que toma de conta do espaço, à revelia de qualquer norma que institua, a priori, o que é bonito. Eu sei que é.
Tenho outros álbuns onde você muda de face. Você, que existe há anos luz, mas preciso inventar no clique, pois você sempre me escapa. Falo você, que sou eu, para poder me ver de fora. Eu, que ainda moro em mim, mesmo depois de tantas despedidas.
Iana Soares é jornalista e fotógrafa. Está no Instagram.