Bemdito

Vendedores ambulantes: a vida que pulsa nas ruas e coloca comida na mesa do Brasil

A importância social e simbólica de uma data para celebrar a vida dos vendedores ambulantes no Brasil e no mundo
POR Rodrigo Iacovini

Depois do outubro urbano, mês que reúne diversas datas comemorativas internacionais relacionadas a cidades – como o dia mundial do habitat e o dia internacional das cidades -, novembro também traz uma celebração importante: o dia internacional dos vendedores ambulantes, em 14 de novembro. E a pergunta justa que vocês podem estar se fazendo é: qual a necessidade ou a importância dessa data?

As efemérides, datas que celebram algum fato, acontecimento ou tema específico, possuem uma razão política. Mais que simples comemorações, podem ser momentos estratégicos para conferir destaque a temas e grupos historicamente invisibilizados. Algumas delas já estão fortemente enraizadas em nossos calendários sociais e pessoais, como o dia internacional das mulheres, em 8 de março, ou o dia do trabalhador, no 1o de maio. Outras datas, no entanto, ainda são pouco conhecidas e ficam restritas, muitas vezes, a um nicho de profissionais, organizações e militantes que se dedicam a temas conexos.

Além de cumprirem um papel importantíssimo do ponto de vista da segurança alimentar em nossas cidades, como abordei aqui mesmo no Bemdito em coluna do mês de julho; os vendedores ambulantes contribuem ativamente para a dinamicidade de nossos espaços públicos e da nossa vida social. Quem nunca esqueceu o protetor solar ou o boné em casa e acabou comprando de um vendedor na Praia do Futuro? Ou aproveitou a demora na fila de entrada de uma festa para tomar uma cerveja do vendedor, mais barata e geralmente mais gelada do que dentro da balada?

Estou falando do lugar de classe média que ocupo, claro, mas há também o outro lado da moeda: o comércio ambulante é fonte de renda, meio de sobrevivência para uma parcela significativa da população brasileira, como recordou Juliano Fripp, liderança social, em live promovida em 14 de novembro pela União Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Camelôs, Ambulantes e Feirantes do Brasil (UNICAB).

“Sem nós, [o Brasil] não vai crescer. Estamos falando de milhões e milhões de pessoas que estão na informalidade, não têm emprego formal, mas não deixam a economia parar: nas ruas, ambulando, parados, em feiras, seja da forma que for. Não pedimos migalhas a governo nenhum para ter emprego. Nós vamos à luta, enfrentamos a polícia, enfrentamos poder público, enfrentamos sindicatos que representam lojistas, que não nos querem nas ruas. Mas eles sabem que, sem nós nas ruas, trabalhando e gerando empregos, o país já teria ido pro caos, já que estamos com uma taxa alta de desemprego e 43% dos trabalhadores estão na economia informal.”

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) divulgados em outubro pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE), apontam que a lenta recuperação da economia nacional tem sido puxada principalmente pelo setor informal.

Do ponto de vista urbanístico, não são apenas números que interessam, mas, sim, vidas e dinâmicas que o comércio ambulante proporciona. É a possibilidade de satisfação de necessidades de consumo, mas é também o movimento que torna os espaços públicos e as cidades vibrantes. Seus impactos vão desde oportunizar encontros e o contato entre desconhecidos – interação essencial para a coesão social –  até a ampliação da sensação de segurança dos transeuntes, à exceção, evidentemente, de quando a polícia reprime violentamente estes vendedores.

Para conhecer melhor a relação entre o comércio ambulante e direito à cidade, recomendo que acompanhem de perto o trabalho da UNICAB, que há 10 anos atua na defesa dos direitos desses trabalhadores. Não sou de podcasts (podem me julgar!), mas a Rádio Ambulante é um que não deixo de escutar, pois suas próprias vozes nos contam os principais desafios que vivem em diversos estados (como Bahia, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas e Paraíba) e refletem, a partir de sua prática cotidiana, sobre as lutas pela democratização da cidade. São incontáveis lições de direito à cidade em episódios de apenas sete minutos. Você nunca mais olhará os camelôs da mesma forma, garanto.

Rodrigo Iacovini

Doutor em Planejamento Urbano e regional pela USP, é coordenador da Escola da Cidadania do Instituto Pólis e assessor da Global Platform for the Right to the City.