Bemdito

Vida e morte em jornalismo

Como Bemdito se insere na lógica oscilante do mercado de comunicação e o que você tem a ver com isso
POR Jáder Santana
A luta entre o Carnaval e a Quaresma, 1559, de Peter Bruegel

Como Bemdito se insere na lógica oscilante do mercado de comunicação e o que você tem a ver com isso

Jáder Santana
jaderstn@gmail.com

O Bemdito nasceu em um primeiro de março. Foram meses de trabalho entre o sonho e a execução. Reuniões infinitas, planilhas complicadas, ligações intermináveis. Aborrecimentos, inseguranças, dúvidas. Broncas com prestadores de serviço. Noites mal dormidas, orçamentos extrapolados, picos de ansiedade. Está no ar, e comentei com minha parceira de edição que esta seria a experiência mais próxima ao rito do parto que eu teria.

Também em primeiro de março, um importante jornal cearense encerrou sua versão impressa. Foram anos de trabalho entre o sonho e a decisão. Certamente, reuniões infinitas, planilhas complicadas, ligações intermináveis. Aborrecimentos, inseguranças, dúvidas. Broncas com prestadores de serviços. Noites mal dormidas, orçamentos extrapolados, picos de ansiedade. As angústias de um refletidas, pelo inverso, nas angústias do outro. Dois lados da mesma moeda.

O velho deve morrer para nascer o novo: uma estupidez. Os dois precisam dividir espaço. Velho e novo. Impresso e digital. Quando entrei na faculdade de jornalismo, fui atraído por tudo o que aquela plataforma pré-anacrônica representava. A informação, a análise, a cultura, a arte. Continuo assinando e comprando produtos impressos. Na minha casa pré-anacrônica, a primazia é do papel. A felicidade pela chegada do Bemdito tem algo de desânimo pela perda do vizinho.

Há alguns dias escrevi no Instagram do Bemdito que não há o que se comemorar quando um produto de comunicação encerra suas atividades. Perdemos nós, jornalistas. Perdem os leitores. Motoristas, impressores, faxineiros, designers, ilustradores, secretários, todos perdem. Perde a sociedade, que se vê um pouco menos blindada pelo encargo essencial da imprensa, o de fiscalizar o poder público. E houve algum momento em que nós, brasileiros, tivéssemos mais necessidade dessa fiscalização? No Brasil de 2021, a interrupção assume ares de tragédia.

Pior ainda é saber que essa mesma sociedade tem parcela de culpa nas inconstantes mudanças de rumo a que a imprensa vem se submetendo. Seja pela problemática prática de atribuição de descrédito a repórteres e veículos de mídia, seja pela recusa imprudente de pagar por um serviço essencial. Fomos nós, afinal, que desmantelamos as bases de nossa própria blindagem. Do outro lado dessa barreira de proteção e fiscalização está tudo aquilo que mais nos espolia: políticos corruptos, empresários desonestos, contratos irregulares, decisões assimétricas, emendas suspeitas.

Torço pelo Bemdito e tenho a certeza de que conseguimos, com recursos limitados, reunir colaboradores e conteúdos que trazem novos ares para o que vem sendo praticado no jornalismo brasileiro. Torço pelo vizinho que encerrou sua versão impressa. É deles a expertise e a tradição. Somos herdeiros de seus costumes e esforços. Torço pra que se reverta essa tendência de desconfiança e condenação contra jornalistas e jornais, e torço para que, cada vez mais, estejamos cientes de que investir em veículos de mídia, independentes ou convencionais, é investir na manutenção de nossa democracia.

Jáder Santana é jornalista e editor do Bemdito. Está no Instragam e Twitter.

Jáder Santana

Editor executivo do Bemdito, é jornalista e trabalhou como repórter e editor de cultura do jornal O Povo, onde também integrou o Núcleo de Reportagens Especiais. É curador da Festa Literária do Ceará e mestrando em Estudos da Tradução pela UFC.