A navalha de Ockham pode nos salvar
Tratar de “navalha de Ockham” nada tem com beligerância ou violência. Para quem temia isso, pode seguir a leitura de forma tranquila. A expressão faz referência ao método científico, ferramenta lógica criada por Guilherme de Ockham, teólogo escolástico inglês. O autor nunca formulou explicitamente o princípio, bem como não cunhou a metáfora com a navalha, mas aplicou-o em seus escritos.
O legado do teólogo está em apresentar a causalidade como relação na qual o conhecimento, através da experiência, reconhece uma coisa como causa e, consequentemente, uma coisa como efeito. A prova se apoia na verificação da presença ou ausência do agente causador. A virada está na acepção de que, quanto menores e mais simples as causas, melhor para chegar à prova de sua ligação com o feito: tirar elementos ajuda a chegar à resposta, e não adicionar.
A preferência pela explicação mais simples remonta a Aristóteles, mas as adaptações feitas por Guilherme de Ockham são sensíveis e o seu método é bastante aplicado na ciência. O filósofo Johannes Clauberg formulou, a partir desse pensamento, o seguinte princípio: “entidades não devem ser multiplicadas além do necessário.”
E por que “navalha” ? A designação metafórica de “navalha” resulta da possibilidade de todas as outras explicações de um fenômeno poderem ser simples e simultaneamente cortadas como que por uma navalha. A vantagem prática desse princípio para a busca de teorias está no fato de que teorias com poucas e simples suposições são mais facilmente verificáveis do que aquelas com muitas e complicadas.
Se chegou até aqui, já pode comemorar: acabou a explicação metodológica, vamos aplicar Ockham à vida, à política, e explicar o porquê pensei nisso nesses dias turbulentos.
A teoria – ou método, como queira – chegou a mim em conversa despretensiosa com um amigo. Avaliando uma situação complicada na vida pessoal, ele me disse: nesse cenário, a melhor solução é tirar elementos e não colocar. A solução costuma ser o mais simples, isso é a navalha de Ockham.
A navalha na CPI da Covid
“Suposições são mais facilmente verificáveis do que aquelas com muitas e complicadas.” Pesquisando vi que isso se aplica à economia, computação, filosofia, mil coisas. Trazer esse tema para cá surgiu em uma conversa de trabalho, enquanto confabulava com a minha chefe sobre o cenário político brasileiro e as pataquadas teatrais da CPI, o maior palanque eleitoral montado nos últimos anos. Explicando para ela a “navalha de Ockham”, achei que seria interessante fazer um texto sobre de que maneira a simplificação da visão para entender um cenário tão complexo e cheio de atores poderia ser o melhor caminho.
Falávamos sobre acordos de corredor, cortina de fumaça, trocas de favores, e chegamos à conclusão de que são só erros. A voz de prisão dada pelo senador Omar Aziz durante a sessão da quarta-feira, 7 de julho, era o tema central das confabulações, mas ao fim, usando a teoria da navalha de Ockham, admitimos que talvez seja só um erro. Humano, simples, sem bordados e arabescos.
Conclusão que se estende a muitos dos outros dias da CPI: erros e mais erros. Erros crassos dos que estão sendo ouvidos, responsáveis por tarefas enormes, agindo de forma irresponsável. Erros dos que inquirem e interrompem, constrangem e quase dão “tchauzinho” para a câmera para garantir o show.
Erros e mais erros, humanos e só. De quem pergunta e de quem responde.
Fragilizam a democracia, descredibilizam instituições, fortalecem o sentimento crescente e preocupante, nos últimos anos, de pouca confiança na classe política. Perda de vidas, de poder de compra, de empregos para a população. Não é justo tornar simplista, mas cabe tornar simples: multiplicaram-se as entidades e os poderes dessas entidades. E as entidades são humanas, erros e paixões. Se o objetivo final é ser solucionado, pergunto: como não multiplicar as variáveis? Como cortar os falsos agentes? Onde passar a navalha?