Crise política: semipresidencialismo como resposta isolada
Na última semana, Arthur Lira (PP), presidente da Câmara dos Deputados, disse que levaria ao Colégio de Líderes a PEC referente ao semipresidencialismo, um modelo que propõe articular o presidencialismo com o parlamentarismo. A proposta possui implicações pelo momento em que será discutida e efeitos no que chamamos de sistema político. De antemão, peço que imagine que um sistema possui conexões que precisam estar interligadas para o seu funcionamento.
O semipresidencialismo foi defendido por Michel Temer (MDB) quando presidente em 2017, apoiado por Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso. Na proposta, hoje articulada por Lira, o modelo funciona um pouco como o parlamentarismo: divide os poderes de chefe de Estado e chefe de governo. O presidente da República é eleito de forma direta, responsável pelas relações exteriores, responsável pelas Forças Armadas e chefe da diplomacia; o primeiro-ministro é eleito pelo Legislativo e responsável por construir o Conselho de Ministros responsáveis por auxiliar no governo.
O semipresidencialismo é defendido por alguns políticos que, à época do plebiscito de 1993, apoiavam o parlamentarismo, dentre eles Fernando Henrique Cardoso e José Sarney. Como argumento, dizem que, em momentos de crise, há um desacordo intenso entre os Poderes Executivo e Legislativo. É nesse sentido que a pauta retorna neste momento em que estamos diante da crise de formação de coalizões – o semipresidencialismo possibilitaria a mudança de governo (primeiro-ministro), mantendo o presidente.
Christian Lynch, cientista político, diz que o Legislativo já se movimenta como governo. O ministro da Casa Civil ou o presidente da Câmara assumem o papel de um primeiro-ministro informal. Para ele, o presidencialismo de coalizão está em crise desde 2010 e a consequência foi o fortalecimento do Judiciário e do Exército na política. Por isso, é necessário buscar um meio termo entre a compra de parlamentares e o impeachment de presidentes. É imprescindível manter o debate sobre o sistema de governo.
Instituições fragilizadas e tensões entre Poderes
Na intenção de manter o debate, indico ponderar algumas questões diante das possíveis estratégias nas discussões dos parlamentares sobre semipresidencialismo. A discussão se acentua em momento de rejeição às instituições e às opções políticas para o Executivo. É apontado um cenário de polarização, busca por neutralidade ou busca por uma terceira via que, até então, não tem um nome competitivo eleitoralmente.
Neste cenário de desconfiança com as instituições e representantes, o modelo semipresidencial torna-se uma resposta imediata para as insatisfações direcionadas aos presidentes da República. Arthur Lira (PP), tensionado pelos inúmeros pedidos de impeachment, impulsiona a proposta sem considerar aspectos importantes do sistema político.
Exemplifico. O número de partidos com cadeiras no parlamento brasileiro vai exigir que o primeiro-ministro tenha a habilidade de formar coalizões. Se a maioria dos partidos no parlamento for aliada, este se posicionará como auxiliar do presidente da República. Se for adversária, o primeiro-ministro também será. Estaremos diante de tensão governamental que dificulta a tomada de decisões. Ou seja, o que se aponta como problema de governabilidade não é resolvido. Nesse caso, seria mais interessante, antes de entrar na discussão de uma PEC que modifica o sistema de governo, observar os efeitos da proibição de coligações e a cláusula de barreiras no sistema partidário que estão sendo implementados gradativamente no intuito de diminuir o número de legendas com cadeiras no Legislativo.
Para um segundo exemplo, relembro que o “distritão” também está em pauta. De forma resumida, transforma a representação proporcional em majoritária. Reforça a desigualdade da competição política e há um risco de termos um parlamento ainda menos representativo da sociedade.
Veja que apontei apenas dois exemplos das conexões entre sistema de governo, sistema partidário e a representação. Assim, o cenário de crise que se busca atenuar nesse momento é uma resposta de curto prazo por meio de mudanças complexas. É necessário observar a correlação entre as propostas, as forças políticas que as movimentam e qual o sentido político que buscam construir para as instituições.
As instituições políticas estão passíveis de mudanças porque a correlação de forças na sociedade muda. Os anseios e valores se transformam. Porém, discutir a mudança no sistema de governo em meio a minirreformas periódicas torna-se medida isolada. E, como consequência, tem impacto duvidoso que interfere na longevidade do funcionamento institucional da democracia.
Embora exista complexidade no modelo presidencial e multipartidário, esse formato possibilita funcionamento democrático e representativo. É interessante pensar se o problema está na estrutura institucional ou nos agentes políticos que as mobilizam.