Bemdito

Os renomados especialistas de ocasião

Quem ouvir quando todo mundo quer falar de tudo?
POR Cláudio Sena
A ex-jogadora de vôlei e agora comentarista política Ana Paula Henkel (Foto: Wikimedia Commons)

Até diante de um problema para o qual não fora treinado, o maior dos médicos generalistas encaminha o paciente para um especialista. Típico da ciência. Resquícios talvez de uma formação acadêmica que tem como premissa a realização do “estado da arte”, uma revisão e explanação sobre a situação atual do conhecimento a respeito de determinado objeto de análise. Ou seja: eu pesquisei o que já foi feito e sei o que estou dizendo. Confia. 

Óbvio, mas não é o que vem ocorrendo. Talvez pela influência da cultura dos especialistas em assuntos do momento, donos da verdade de ocasião. Por vezes, astrônomos, por vezes astrólogos, variando entre orientadores de carreira profissional ou de mercado financeiro, esses conselheiros do geral brotam nas interfaces midiáticas. Ao que se observa, até o Governo Federal parece ter entrado nessa onda, ou melhor, marolinha do superficial, onde o gosto pessoal impera, mesmo diante da realidade dos dados técnicos e da metodologia científica.

Por exemplo, o que se espera da ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel não é exatamente um conselho sobre o que você pode aplicar em termos de imunizantes nos braços dos filhos da gente, mas talvez uns toques sobre cortadas, saques, levantamento de bola, bloqueio ou mesmo uma experiência pessoal “inspiradora”, uma ideia de negócio bem-sucedido.

De Carlos “Wizard”, talvez a conjugação do verbo to be, mas não exatamente dicas de políticas públicas de saúde coletiva. Como este texto deve se manter curto, não vale a pena entrar no quartel e falar dos militares que, da noite para o dia, ganharam habilidades e competências em todas as patentes. Desculpe o trocadilho infame: não faz sentido.  

Quando questionados e desmentidos, temos a impressão de que fizeram o mesmo media training. A fórmula-resposta é sempre a mesma: “vi em um site, uma plataforma, um WhatsApp, um fórum, um canal do YouTube.”. Ou o pior: “um amigo especialista me falou. Não é minha culpa.”. Geralmente, tal informação não apresenta-se inserida em artigo publicado na Nature. Para estes, só podemos confiar no Imperial College quando nos convém. 

Mas o quadro agrava-se quando mesmo aqueles que se dizem especialistas deixam-se sucumbir pela vaidade, pelo poder e, claro, pelo tutu, dindin, bufunfa, cacau, l’argent. Aí ajustam-se a qualquer método e discurso. Naquele estilo Samuel Blaustein da Escolinha do Professor Raimundo: “Fazemos qualquer negócio”.

Resta a nós, que colocamos nosso corpinho saudável em primeiro lugar, longe dos esquemas e desmunidos de grandes ambições, termos atenção às notícias e aos interesses pessoais.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.