Bemdito

O futuro é Lixo Zero!

Uma entrevista com Rebeca Wermont, embaixadora do Instituto Lixo Zero Brasil
POR Carolina Cordeiro
(Foto: Tobias Tullius)

No último dia 18, o mundo festejou o Dia Mundial da Limpeza (World Cleanup Day). Trata-se de um movimento mundial que envolve 180 países com o objetivo de limpar o planeta. Esse ano, o movimento reuniu mais de 50 milhões de pessoas nas ruas para realizar a limpeza de praias, rios, lagoas, florestas e ruas.

A ideia do movimento surgiu na Estônia, em 2008, quando cerca de 50.000 pessoas se uniram para limpar o país em cinco horas. Desde então a ação inspirou milhares de pessoas, ajudando a espalhar o movimento para diversos países. O movimento envolve um ato voluntário e a prática de ações de cooperação e de colaboração.

No Brasil, a gestão dos resíduos é responsabilidade das prefeituras municipais, sendo embasada por duas normas principais, a Política Nacional de Saneamento Básico e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, implementadas nos anos de 2007 e 2010, respectivamente. A segunda traz um sistema de gerenciamento de resíduos que se assemelha ao dos países desenvolvidos, uma vez que prioriza a não geração, a redução, reutilização, reciclagem, tratamento e destinação final dos resíduos, sendo este último fator indicado apenas quando do esgotamento de todas as possibilidades de reaproveitamento.

Apesar de políticas restritivas e modernas, grande parte dos municípios brasileiros, além de ainda utilizar lixões como destinação final para os resíduos, não implantou processos eficientes de reaproveitamento e reciclagem, bem como tratamento da matéria orgânica, que tem grande participação no volume de resíduos destinados de forma incorreta.

Para falarmos um pouco mais sobre o tema, conversamos com Rebeca Wermont, embaixadora e consultora do Instituto Lixo Zero Brasil, uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que dissemina no Brasil o conceito de Lixo Zero.

Bemdito // O instituto Lixo Zero Brasil é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que promove a disseminação do conceito Lixo Zero no Brasil. Você poderia falar um pouco sobre esse conceito?

Rebeca Wermont // O conceito de Lixo Zero é uma meta ética, econômica, eficiente e visionária que tem por intenção orientar a sociedade a mudar o estilo de vida, a mudar as práticas para pensar em ciclos mais sustentáveis para os resíduos que geramos. Com uma intenção de não descartar, mas colocar um novo ciclo produtivo, levando em consideração os R (reutilizar, recusar, repensar e reparar), evitando que o fim dos produtos no pós-consumo seja o descarte em aterros, lixões e a incineração. Esse conceito busca uma meta altamente factível de desvio de 90% dos resíduos que geramos, levando em consideração todos os níveis de escala para se chegar nessa máxima.

Bemdito // O Instituto Lixo Zero promove missões internacionais a países onde é aplicado o conceito Lixo Zero. Com base na experiência do Instituto com essas missões, como se encontra o Brasil, no âmbito internacional, em relação às práticas de reaproveitamento, reciclagem e destinação adequada de resíduos? Qual o nosso principal desafio?

Rebeca Wermont // O conceito de Lixo Zero tem crescido no mundo inteiro e no Brasil não está sendo diferente. Desde 2010 há uma mobilização social para inserir o Lixo Zero em nossos processos e isso acaba impactando também na aceleração das políticas públicas voltadas para a gestão de resíduos, no sentido de desenvolver pessoas mais críticas dentro das cidades. Embora já tenhamos muito mais cidadãos e empreendedores engajados, como um país grande e diverso, com particularidades muito relevantes em cada uma das suas regiões, o nosso avanço na resolução dos problemas relacionados ao lixo, para fins de reaproveitamento, de transformação, de inserção dos resíduos de forma consistente nos processos de economia circular, tem sido muito lento.

Há um grande movimento e uma comercialização em grande escala de diversos tipos de materiais quando falamos das regiões Sul e Sudeste do país. Nessas regiões encontramos a maior geração de renda por meio dos resíduos, os maiores poderes de articulação e as maiores inovações tecnológicas, assim como as melhores iniciativas de indústrias que produzem materiais com uma finalidade melhor de aproveitamento.

Quando falamos das regiões Norte e Nordeste, existem ainda cidades que não tem associações ou cooperativas de catadores, o que dificulta muito esse processo de crescimento e de impulsionamento dos nossos índices de reciclabilidade. Devido a essa diversidade inerente ao Brasil, a dificuldade de logística e a desassistência, ainda crescemos de forma muito lenta e estamos bem atrás em relação a outros países que se desenvolvem para o conceito Lixo Zero.

No entanto, a pressão da população e a exigência do cumprimento para que alcancemos as metas da política nacional de resíduos sólidos tem sido cada vez maior, e o Instituto Lixo Zero tem trabalhado de forma muito consistente para promover essa articulação. Em junho realizamos o Congresso Internacional de Cidades Lixo Zero aqui no Brasil, um congresso internacional com mais de 250 palestrantes e mais de 50 países representados, que trouxe estudos de caso do mundo inteiro, promovendo um grande despertar dentro do Governo Federal e dos governos de diversas instâncias.

Bemdito // A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi publicada em 2010. Ela trouxe o desafio de acabarmos com os lixões no Brasil até 2014. Contudo, 11 anos depois, os lixões ainda estão presentes e contribuem sobremaneira para a contaminação ambiental. Na sua opinião, o que precisa ser feito para conseguirmos implementar essa meta? Embora a meta de 2014 não tenha sido atingida, houve avanços relevantes nesses 11 anos?

Rebeca Wermont // A situação dos lixões no Brasil é crítica. Produz muita desigualdade, muita vulnerabilidade, sendo um desperdício enorme de oportunidades, recursos e reinvestimentos dentro dos estados e dos municípios. O que se enxerga nesse processo é que há muito desvio de verbas, falta de boa vontade, de responsabilidade e de compromisso dos gestores públicos.

Em 2020, foi lançado o novo marco do saneamento, com o objetivo de melhorar a gestão dos resíduos sólidos. Com ele foi anunciado o programa Lixão Zero do Governo Federal, um dos poucos programas do atual Governo com enfoque na gestão ambiental. Esse programa ajudou a encerrar pelo menos 600 lixões em diversas cidades do país. Mas o número de lixões no Brasil é muito grande, ainda existem cerca de 3000 lixões à céu aberto, cujas atividades precisam ser encerradas com urgência pois são extremamente insalubres e causam muita contaminação para o solo, água e ar.

No Ceará, vislumbramos os consórcios funcionando, que são grandes oportunidades para que os municípios se conectem a outros distritos e municípios de modo a implementarem suas áreas de manejo de resíduos sólidos e aterros sanitários, promovendo a desativação dos lixões. No entanto, ainda existe muito desvio de verba e isso retarda a implantação de projetos como esse. O fechamento dos lixões pode promover um aumento considerável no índice de desenvolvimento de estados e municípios e a gestão pública local precisa despertar e perceber que é possível trazer, além de uma boa visibilidade de gestão e da descontaminação do meio ambiente, uma melhoria considerável da economia local, impulsionando diversas atividades locais e fortalecendo os municípios. Hoje, por falta de reaproveitamento e reciclagem, podemos considerar que aterramos cerca de 9 bilhões de reais em recursos e matéria-prima, isso sem considerarmos a perda de recurso por meio da utilização dos lixões.

Bemdito // Em 2020, o termo ESG (Ambiental, Social e Governança, em português) entrou em evidência. Desde então, vimos diversas empresas buscarem associar as suas marcas a ações de sustentabilidade, muitas delas fazendo a publicação dos seus relatos de sustentabilidade, como forma de divulgar e comprovar suas ações junto ao mercado. Com isso, vislumbramos também muitos especialistas chamarem atenção para as práticas de greenwashing, por meio das quais instituições, públicas ou privadas, promovem discursos, anúncios, ações, documentos que vinculam suas marcas a práticas sustentáveis que, na realidade, não existem ou não são mensuráveis. O mercado, portanto, passou a cobrar critérios mais claros de mensuração de indicadores para que essas ações fossem divulgadas. Sabe-se que as certificações são um excelente recurso para mensurar e/ou validar essas ações. O Instituto Lixo Zero Brasil tem um produto que se chama “Certificação Lixo Zero”. A quem é destinado esse produto? Quais os benefícios dessa certificação para as empresas?

Rebeca Wermont // Acreditamos que as certificações podem impulsionar muito o interesse dos negócios em assinalar o compromisso da sustentabilidade de forma efetiva. Hoje, existe uma pressão muito grande devido à crise ambiental pela qual estamos passando sobre a necessidade de melhorar o posicionamento das instituições. No entanto, ainda há muita falácia nesse discurso. Muitas empresas “pintam de verde” as suas ações, sem provocar uma mudança estrutural de pensamento da gestão do negócio, do comportamento dos colaboradores, da redução real de danos ambientais e da melhora dos indicadores. A certificação, portanto, permite atestar o compromisso do negócio com a sustentabilidade, dando uma maior visibilidade para a sociedade. Isso é o que faz a certificação LZ.

Trata-se de uma certificação internacional, atestada pela Zero Waste Alliance, com indicadores super importantes, que trabalham toda a cadeia produtiva do negócio, atestando o desvio de no mínimo 90% dos resíduos, avaliando toda a cadeia, desde o recusar, não gerar, reparar, até o índice de desvio, promovendo a inclusão novamente desses materiais na cadeia produtiva, garantindo que o que vai para o aterro sanitário seja inferior a 10%.

Isso reduz consideravelmente o dano ambiental que aquele negócio pode causar para a natureza, mitiga a emissão de gases do efeito estufa, promove educação ambiental e injeta recursos na economia através da garantia de materiais que circulam nessa cadeia, incorporando valor ao resíduo sólido. A auditoria dessa certificação é muito séria. Os indicadores são estratégias totalmente possíveis e mensuráveis para qualquer negócio, que uma vez introjetados na gestão, atesta, anualmente, o compromisso do negócio com a sociedade e com o meio ambiente.

Todas as instituições podem solicitar certificação Lixo Zero. Por meio do site www.certificacaolixozero.com.br é possível conhecer os relatórios dos indicadores, onde o negócio precisa trabalhar para atingir todas as metas para posteriormente solicitar uma auditoria que é validada pela Zero Waste International. Após a obtenção da primeira certificação, válida por um ano, é possível solicitar a sua revalidação anualmente, realizada por meio do Instituto Lixo Zero, reafirmando o compromisso do negócio com a transformação que a gente acredita que é importante para o mundo. Instituições públicas, privadas, unidades fabris, pequenas lojas, quiosques, eventos, todos os tipos de negócios podem pleitear a certificação Lixo Zero.

Carolina Cordeiro

Bióloga e gestora ambiental de projetos de energias renováveis, é mestre em Gestão Ambiental pela Universidade de Cantábria, Espanha, e especializada em Engenharia Ambiental.