Bemdito

A importância do presente para os profissionais do futuro

Ensinar seu filho a programar, falar mandarim e matriculá-lo numa escola de formação de CEOs é a melhor forma de garantir uma vida tranquila para ele no futuro. Não é?
POR Alisson Sellaro

Um fenômeno interessante recente é a proliferação de escolas de programação para crianças. A proposta dessas empresas geralmente inclui o ensino de como desenvolver aplicativos ao mesmo tempo em que incentivam uma visão de empreendedorismo nos pequenos alunos. Em resumo, tudo o que seu filho ou filha precisam para se tornar um profissional do futuro, certo?

Nos meu primeiro semestre da faculdade de ciência da computação, fiquei muito surpreso quando um dos professores disse para a turma que ter fluência no uso de um computador deveria ser a última de nossas preocupações. Depois disso ele fez uma pausa, penso que daquelas muito bem planejadas, para dar à turma a oportunidade de absorver o que ele acabara de dizer. O impacto da fala foi generalizado. Do alto da minha arrogância de jovem adulto recém aprovado em um vestibular difícil, pensei que talvez o professor tivesse um ou dois parafusos fora do lugar.

O professor continuou a explicação dizendo que o mais importante para a computação, na verdade, era entender o problema a ser resolvido. E que nós deveríamos deixar para depois os detalhes do ferramental para resolver o problema, em outras palavras, o próprio computador, a linguagem de programação utilizado, etc. Ali mesmo ele definiu um termo que serve para dar nome a esta parafernália secundária. Vinte e tantos anos depois, ainda uso este termo até hoje: detalhesde implementação.

O mérito de aprender a programar está em uma camada muito mais profunda do que o aparente glamour de criar o próximo aplicativo de sucesso ou se tornar o CEO do próximo Facebook. No fim das contas, a programação é só uma forma de dar instruções. Geralmente, o propósito dessas instruções é resolver um problema. É exatamente para este ponto que meu professor chamou nossa atenção. Qual é o mérito, então, de saber instruir um computador sem saber exatamente como resolver problemas?

É nessa pergunta que se torna mais claro qual é a verdadeira mentalidade do futuro: orientar nossos filhos para ter uma visão de longo prazo, considerando múltiplos pontos de vista e, neste processo, ir aprimorando o bom senso e o raciocínio analítico. Para deixar a missão ainda mais interessante, é sempre bom lembrar que a orientação é um exercício contínuo. Na minha própria experiência, por exemplo, demorou anos até aquela primeira semente que o professor plantou no início da faculdade dar frutos. Foi preciso quebrar a cara inúmeras vezes no mercado de trabalho para que, só então, eu fosse começar a compreender o que ele quis dizer com “o mais importante é entender o problema a ser resolvido”. Educar é um trabalho de formiguinha. E, em geral, pais são educadores mais amorosos que o mercado.

Mas será que ocupar os pequenos e “terceirizar o aborrecimento educacional” são estratégias ruins? Caprichar no preenchimento da agenda diária dos filhos tem suas vantagens, claro. Para alguns, traz a tranquilidade de estar oferecendo todas as  “oportunidades” para a criança crescer e realizar o seu potencial. Para outros, é uma forma de manter os anjinhos ocupados de modo a se conseguir um pouco de paz. É raro, em ambos os casos, que muitos dos pais se preocupem em refletir sobre qual é, de verdade, a necessidade dos filhos e como orientá-los para navegar pela vida. Educar, então, se reduz a um problema de logística e financeiro: quem vai transportar a criança, de onde para onde, a que horas e quanto custa isso tudo.

Não me entenda mal. Expor crianças a assuntos diversos e interessantes, como programação, idiomas e administração de negócios, não é algo ruim. O problema é gerar uma expectativa de que apenas a exposição, sem uma orientação constante e uma visão mais ampla de mundo, é suficiente para criar uma estrela da tecnologia mundial. Não é. E o pior: fazendo isso cegamente você ainda pode estar contribuindo para o desenvolvimento de um adulto ansioso e arrogante, daqueles que querem reconhecimento imediato, com pouco ou nenhum trabalho e, de quebra, bastante dinheiro em troca.

O tipo de profissional valorizado agora, e que será valorizado no futuro, é o que consegue analisar uma situação, entender quais fatores contribuem para gerar o problema e propor uma forma viável de resolvê-lo. Por essa razão que só saber matemática e português não basta. O tal profissional tanto pode ser fluente em mandarim, Python e na geração de fluxo de caixa livre, como pode ter outra bagagem de ferramentas e experiências completamente diferente. De todo modo, posso garantir que ele ou ela, independente da formação, terá duas características que poucas escolas no mundo ensinam: bom senso e a certeza de que há sempre algo novo a se aprender.

Talvez o caminho esteja em refletirmos sobre como sermos pais mais presentes. E, assim, dar as verdadeiras condições para que nossos filhos possam decidir quais serão as profissões do futuro.

Alisson Sellaro

É bacharel em Ciência da Computação pela UFC, mestrando em Ciência de Dados em Harvard e trabalha com tecnologia para o mercado financeiro. Assina textos sobre tecnologia, dados e seus impactos sociais.