Toda mulher embala uma nova raça
Preciso levantar da rede.
Ai, que preguiça!
Sem criatividade, roubo as primeiras palavras ditas por Macunaíma, filho do medo da noite. Na meninice, o herói da nossa gente passou seis anos sem falar e, quando o provocavam, era a preguiça quem respondia. Eu sou Macunaíma.
Quando me deito em uma rede não posso sair. O tecido que me envolve segue o ritmo do tempo parado. Dentro dela, as ondas cerebrais seguem a frequência da maré baixa e, lentamente, perdem força até arrebentar no ócio dos olhos pregados.
Durante os anos em que vivi longe do Ceará, ouvia meu pai reclamar: preciso voltar para minha terra, lá, as casas têm armador. Ao voltarmos, ele imediatamente trocou o colchão pelo pêndulo. E foi com certo espanto que percebi que, enquanto as mulheres seguiam na cama, alguns homens precisavam do balanço uterino para sonhar à noite, voltavam a ser indefesos. O punho que segurava papai era reforçado, afinal, a brutalidade de cada dia era amansada pelo vaivém daquele colo cor de céu.
Quando me deito em uma rede quero sair. O mar revolto chacoalha dentro do convés de algodão. Difícil não ficar marejada.
Só com o tempo entendi que para gozar de uma rede é preciso intimidade com seu miolo. O primeiro tombo que levei ao me sentar em uma despertou dias de humilhação. Meus primos gargalharam como se eu tivesse contado uma piada inédita, fato raro em terras cearenses. Jurei vingança e segui, por anos, a promessa de jamais me aventurar novamente em seu balancê.
Até que minha primeira filha nasceu e, no mesmo instante, pari a ignorância: eu não sabia ser mãe. Ninguém sabe, mas o fingimento pode ser um aliado. Meus peitos jorravam leite azedando cada julgamento sobre mim e o choro da bebê era a sinfonia do socorro: fome, cólica, sono, crescimento, calor.
O jogo de adivinha só terminou no dia em que, exausta, perdoei a rede. Me aproximei dela desconfiada, deitei em seu ventre e fomos ninadas, eu e minha filha. A danada da rede abriu um sorriso escancarado com sua varanda, como o de uma mãe que recebe o filho pródigo. Eu sabia que você voltaria, quase pude ouvi-la.
Oito anos depois das pazes, dentro da rede sou ninada por alguém que não está mais aqui. Há muito tempo os casulos foram rompidos e só as cascas podem ser vistas. Mas, quando me aconchego em seu interior, não me sinto solta, meu corpo já não procura mais um abraço cansado.
Empurro o pé na parede, pego impulso e, enquanto voo, escuto a índia Bartira, obra icônica do modernista Victor Brecheret, embalando na rede de pedra o sono do filho:
A rede vai.
A rede vem.
A noite cai,
Dorme neném!
A lua sai.
A rede vem.
A rede vai,
Dorme meu bem.
Fico envergada, tento sair do útero têxtil, mas ele me prende com saudade, sabe que toda mulher embala uma nova raça.