Bemdito

Um lencinho para cortejar o choro

O que é feito dos lenços de bolso que guardávamos para acalmar o coração e as lágrimas?
POR Felipe Pinheiro

Das coisas que mais fazem bem a mim, um retirante saudoso, é voltar à serra onde cresci e, pelas mesas, entre goles ardentes de pinga, assistir aos filhos daquela terra, sobretudo os veteranos. Simplesmente assisti-los, sem tese nem expectativa prévias. Sentar, calar, beber e achar remanso em suas presenças.

Certa vez, talvez já distem uns dois ou três anos, estava eu no remanso dessa vigília quando um coroa pacato e gente fina, após ouvir emocionadas lisonjas de respeito e admiração dos sobrinhos encervejados, resgatou no bolso um lencinho de pano pra matar na fonte, ainda na esquina do olho, as lágrimas que, com muito gosto e discrição, derrubava em agradecimento. Eu fiquei olhando, caladinho, e me perguntando onde ficara largada a tradição do lencinho do choro.

Todo mundo já viu, é filiado ou pediu bença a um portador de um lenço do choro. No geral, fica a pontinha raiando no bolso frontal da camisa. O pretexto oficial é de servir pra aplacar o suor da testa. Mas não é não. É pra quando chorar. 

Pois então, o coroa pacato e gente fina. Eu vendo ele encabulado pelo carinho, realizado, amortecendo a lágrima com o lencinho, a testa suada estava e suada ficou, nem lembrou de acudi-la… Estiquei o pensamento: a vergonha de chorar já foi bonita. Era cortejada, tinha na lágrima uma cúmplice e no lenço um escudo.

Hoje a vergonha de chorar é tirânica, algoz da lágrima. É fechada a vácuo na boca, não deixa o lábio tremer entregando os pontos; é trincada nos dentes, cegada no breu de um quarto, estrangulada na privacidade indigna de um banheiro, escondida no corpo como uma marca de desonra: “Talvez aliviasse, mas choro não”. Foi assim com os sobrinhos, que precisaram se desnudar em cerveja pra poder se vestir em choro. 

Já o coração treinado do coroa pacato e gente fina entendia que a vergonha de chorar é menos vergonha quando assumida, desmascarada, comprada em caixinha de 3 unidades coloridas, anunciada no bolso dianteiro da camisa feito distintivo: “Não que sempre me agrade, mas eu choro sim.”