Blasé: ser ou não ser?
Georg Simmel foi um importante sociólogo e filósofo que manteve olhar mais atento sobre o que as metrópoles têm à flor da pele asfáltica ou, a considerar sua época, “caçalmêntica”. A cidade inspira, expira, entope as vias, flui. Ou seja, está vivinha da silva. E a gente, em geral, tem de correr para acompanhar o ritmo urbano. Não há tempo para apreciar o canto dos pássaros nem filosofar sobre a erva daninha. Aliás, ainda há pássaros, fora pombos?
Voltemos. Foco, colunista! Concentra, leitor! Olha a calçada. Atenção aos semáforos. Sigamos no texto retilíneo.
É nesta metrópole que nosso corpo vai se ajustando e desenvolvendo estratégias de sobrevivência, tais como rêmoras que avizinham o tubarão. Diante de percalços, solavancos, tragédias, topadas da vida, nossa mente cria modos operandi próprio para relevar o que nos faria interromper este fluxo já altamente obstruído.
O que Simmel percebe é a necessidade de uma atitude própria dos citadinos que devem seguir, de preferência, em frente, sempre. Trata-se do estado de ânimo blasé. O oposto das experiências de vida rural, próprias das pequenas cidades da pré-internet, pré-moto, pré-estradas, pré-shoppings e pré-arranha céus. Enquanto no distrito da “pequena cidade, que descansa mais sobre relacionamentos profundamente sentidos e emocionais”, a grande metrópole nos induz à indiferença e à antipatia necessária.
“Se houvesse, em resposta aos contínuos contatos externos com inúmeras pessoas, tantas reações interiores quanto às da cidade pequena, onde se conhece quase todo mundo que se encontra e onde se tem uma relação positiva com quase todos, a pessoa ficaria completamente atomizada internamente e chegaria a um estado psíquico inimaginável.”
Nesta perspectiva, se a cada mão estendida e placa de papelão, o ser urbano se visse obrigado a interagir, gastar tempo, dedicar atenção, dinheiro e preocupações, a cidade colapsaria. Essa dinâmica da indiferença e de uma certa antipatia permitiria o fluxo, por (muitas) vezes, perverso no centro urbano. Uma suposta “não-força” anularia os sentimentos emergidos nas relações e nos estímulos. Assim, os citadinos vão seguindo, pouco atingidos por pedidos de socorro disfarçados. Para Simmel, esse processo é, de certo modo, “compreensível” na lógica dos grandes centros urbanos.
Era 1903 quando Simmel escreveu tudo isso tendo como inspiração a Berlim do começo do século XX. Imagine você o autor deparando-se com as novas tecnologias da comunicação, redes sociais, telas, realidades aumentadas, hologramas, reconhecimento facial e tudo mais que o futuro promete. Fora, claro, as imagens, os sons e as súplicas emanados pelas desigualdades sociais. Tenho a impressão de que o próprio finado Simmel entraria em colapso e morreria novamente.