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Fogo em Brasília

A renúncia conjunta do alto comando das Forças Armadas é sinal de crise profunda, e a maior ameaça não é a Bolsonaro
POR Juliana Diniz
Jorge Cruz / Agência Brasil

A renúncia conjunta do alto comando das Forças Armadas é sinal de crise profunda, e a maior ameaça não é a Jair Bolsonaro

Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com

Jair Bolsonaro tem uma habilidade especial para deixar o país em estado de tensão. Não foram poucos os episódios em que o presidente declarou intenções antidemocráticas e disruptivas – sua adesão ao regime democrático parece tão frágil quanto é a autonomia de seus ministros.

Na última segunda-feira, esperava-se com ansiedade a formalização da saída do chanceler Ernesto Araújo e a indicação de um substituto menos heterodoxo. Havia até certa esperança. O presidente surpreendeu, para preocupação geral. Não só não indicou um novo chanceler à altura do cargo como mexeu peças importantes do seu tabuleiro. Foram seis ministérios atingidos pela minirreforma ministerial. Casa Civil, Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Advocacia Geral da União, Secretaria de Governo e Ministério da Defesa passam agora a novas titularidades.

A queda do Ministro da Defesa foi o fato mais alarmante. Fernando Azevedo, agora ex-ministro, é um respeitado general do Exército com bom trânsito no Supremo Tribunal Federal e no Parlamento. Sua saída provocou uma crise no alto comando e levou à renúncia coletiva dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Algo que nunca aconteceu na história republicana. O comunicado oficial sobre a substituição do comando é breve e ambíguo: o Ministério da Defesa não deixou claro se houve de fato renúncia ou troca por decisão da presidência. Uma ambiguidade proposital.

Por mais que se tente especular sobre as motivações não declaradas dessa mudança, ainda é incerta interpretação dos riscos potenciais do episódio. Não se tem dimensão da crise instalada nas Forças Armadas, embora ela seja evidente: a saída conjunta, após uma reunião tensa, é uma prova forte disso. Embora a resistência de Fernando Azevedo e do alto comando seja um sinal positivo de blindagem das Forças Armadas às intenções golpistas de Bolsonaro, o fato é que o presidente segue gozando de muita autonomia para tensionar as instituições ao limite da exaustão. Tem controle importante sobre a polícia militar nos estados e alguns oficiais de sua confiança que sempre podem se prestar a dar lustro de legitimidade a qualquer absurdo. Quem poderia neutralizá-lo – o Parlamento – não parece ter intenção de fazê-lo, pelos mais variados motivos, que passam, invarivalmente, por um acesso cada vez mais voraz ao orçamento.

A lei orçamentária aprovada na última semana é temerária – não faltam problemas relacionados ao desajuste fiscal e às pedaladas. O recado dos parlamentares parece claro: estão dispostos a deixar o presidente à vontade, desde que possam, ainda que à revelia da lei, ter acesso indiscriminado aos cofres públicos. Bolsonaro cedeu no orçamento, mas não abriu mão de exercitar aquela que é a sua principal força: o desejo de tomar o Estado para si. Em outras palavras: o poder de levar um golpe adiante às vistas de todos.

O Parlamento parece incrédulo: o presidente não estaria fraco, acossado pela pandemia, com a aprovação em queda? Bolsonaro sempre pagou para ver e conseguiu sobreviver a crises profundas sem maiores penalidades.

Por tudo isso, deputados e senadores devem ficar atentos: corre o risco de perderem não só os anéis, mas também a cabeça.

Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.

Juliana Diniz

Editora executiva do Bemdito. É professora do curso de Direito da UFC e Doutora em Direito pela USP, além de escritora. Publicou, entre outras obras, o romance Memória dos Ossos.