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As mulheres de 60 ou mais também sentem “cosquinhas”

A pandemia revelou que as mulheres mais velhas têm conquistado liberdade para redescobrir o prazer e o sexo - e não estão dispostas a abrir mão disso!
POR Paula Brandão

A pandemia revelou que as mulheres mais velhas têm conquistado liberdade para redescobrir o prazer e o sexo – e não estão dispostas a abrir mão disso!

Paula Brandão
paulafbam@gmail.com

Durante toda a pandemia Covid-19, os idosos foram considerados o grupo mais vulnerável. Começamos a receber memes com piadas mostrando-os amarrados para não saírem de casa; ou ainda trancados, tentando pular o muro para passear; e nos divertimos com a brincadeira toda. Mas a sério, por que os velhos queriam tanto ir pra rua, mesmo com os riscos?

Aceitando o convite de Beauvoir, em A velhice, para romper a conspiração do silêncio em torno dessa questão, vou tratar de mais um tabu: a sexualidade de mulheres com mais de 60.

É salutar lembrar que passamos por um período de grandes revoluções de comportamentos e valores. As mulheres que hoje estão em processo de envelhecimento colheram esses frutos com o advento da pílula anticoncepcional nos anos 1960, que separou definitivamente desejo sexual de reprodução; entraram nas Universidades e equipararam a sua formação à dos homens; e passaram a trabalhar fora de casa. Ora, não se trata aqui da imagem da vovó Benta, do Sítio do Pica Pau Amarelo, que eternizou, para minha geração, a ideia de uma velhinha que cuidava dos netos e vivia voltada para os afazeres domésticos. Hoje, elas dizem que podem sim, cuidar de seus netos, de suas famílias, mas essa é uma das facetas da sua vida, existem muitas outras.

A liberdade é valorizada por mulheres idosas, porque sabem como foi difícil conquistá-la. Muitas delas precisaram enviuvar – quem não lembra das “viúvas alegres”? – ou separar-se para ser a dona de seus narizes. Digo isso, mas a expressão melhor seria: donas dos seus corpos. Como pesquisadora de geração, tive a oportunidade de escutar seus relatos e, embora algumas tenham dito que se aposentaram sexualmente, muitas outras relataram que nunca tiveram tão à vontade com suas sexualidades.

Se for preciso pagar para dançar com um rapaz, basta dizer quanto é, elas têm dinheiro para bancar! E se for pra sair na intenção de paquerar, elas dão aula para nós, sabem tudo! Uma das pesquisadas me disse que um senhor queria ser seu acompanhante nas festas que ela frequentava. Contudo, ela descobriu que ele tinha uma doença que o deixou impotente. Não titubeou: “Minha filha, eu ainda bato um bolão! Vou querer andar com um homem encostado em mim para quê?”. Foi-se o tempo em que elas precisavam contar com a ajuda de seus maridos para o sustento da casa e dos filhos. O interesse agora é de experimentar o que estava proibido pelas interdições de outros tempos, de quando passaram das mãos dos pais para as dos maridos.

Tem um caso que chamou a minha atenção de modo mais intenso. Tratava-se de uma mulher que tinha filhos ainda morando com ela e seu companheiro havia falecido. Nas suas andanças, conheceu o namorado e os filhos começaram a implicar com esse relacionamento. Ela me esclareceu: “eles não querem que eu namore, mas querem chegar em casa e encontrar a casa limpa, a comida feita. Eu te pergunto: passou a vontade de lavar os pratos, de fazer comida? Não! Por que acham que só passou a vontade de namorar? As velhas também têm ‘cosquinhas’.”

Sim, têm! E são elas que vocês viam saindo das festas no Clube Militar, no Mercado dos Pinhões, no Flórida Bar, a bailar na vida. Mas, e agora, na pandemia, com os espaços fechados, o que estão fazendo? Uma amiga me disse que teria que dar um pulo na casa de sua mãe, no interior, pois ela estava meio deprimida. É que a sua alegria era encher o carro de velha e ir para uma festa a 40 km de onde morava. Desde que começou a pandemia, a festa foi suspensa e ela perdeu essa fonte de prazer. Aquelas que iam para os forrós deixaram de ir, aposentaram o salto alto por esse ano todo! Nos grandes centros urbanos, muitas vezes, moram sozinhas e vivem, nesse momento, um sentimento amargo de solidão. Por isso, encontramos tantos idosos nas ruas, fazendo caminhada na praça ou nos supermercados num verdadeiro entra e sai de suas casas.

Quem não escutou por esses dias: “Não tem quem segure a mamãe dentro de casa, parece que ela esquece de trazer as compras de propósito para ter que voltar amanhã.” Depois de experimentar a liberdade, não se abre mais mão dela!

Movida pela emoção de ver meus velhos vacinados, sinto necessidade de responder ao acinte de Janaína Paschoal que disse “as vidas dos que viveram menos me preocupa mais. Aliás, penso que já estejamos no momento de priorizar o uso dos recursos disponíveis: leitos, respiradores, etc.” A solução seria esperar que os idosos morram sufocados? Clamo por uma ética da vida, na qual quem é mais frágil tenha prioridade de atendimento. Ainda me resta uma fresta de esperança na humanidade, ao ver meus pais, parentes e minhas grandes mestras sendo vacinadas, pois continuam sendo fonte de inspiração e conhecimento. Salve, salve, jacarés!

Paula Brandão é professora da UECE, doutora em sociologia e pesquisadora na área de gênero, gerações e sexualidades. Está no Instagram.

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).