A corrida para salvar a legitimidade democrática brasileira
A cada dia que as eleições de 2022 se aproximam, novos fatos, rumores e incertezas endossam a sensação de que não será um pleito fácil.
Os eventos violentos da última eleição presidencial dos Estados Unidos deram um prenúncio do que pode ocorrer quando um sistema é posto sob contestação e são rompidos os limites constitucionais da disputa política. Somadas a isso, as imputações de falhas institucionais, fraudes e crises econômicas puseram a América do Sul de volta ao centro das análises sobre processos sistemáticos de erosão democrática.
Nessas circunstâncias, parece natural que, como tentativa de frear o rompimento da lógica de funcionamento do espaço público, haja um esforço para reafirmar a confiabilidade das instituições. A legitimidade pressupõe não apenas que o sistema funcione, mas que os cidadãos validem e confiem nos resultados produzidos.
A inexistência de comprovação de fraude nas urnas eletrônicas, por exemplo, resta fragilizada pela disseminação da suspeita quanto ao seu funcionamento.
Um problema especulado – jamais comprovado – passou a demandar soluções que acalmem a opinião pública e forneçam respaldo aos resultados eleitorais.
Por essa razão, têm sido ampliados os esforços de divulgação para que um número muito maior de pessoas seja capaz de compreender os mecanismos de segurança, auditoria e controle das urnas eletrônicas.
Do ponto de vista da análise política, o padrão ilegítimo das especulações já foi compreendido. São criados rumores sobre fraudes nas eleições com antecipação suficiente para que qualquer resultado seja posto à prova.
Não há compromisso com coerência ou concretude fática. A narrativa do comprometimento geral do sistema é suficiente para produzir resultados, seja por mobilizar massas contra algo, seja por reforçar sentimentos de apatia.
Fraude eleitoral em 2018
No Brasil, por exemplo, o atual presidente reitera, desde 2018, que foram fraudadas as eleições que ele próprio venceu. Inclusive, reafirmou, neste mês, que possui provas materiais que já teria ganho no primeiro turno das eleições. Ele não é o único a reproduzir as alegações de fraude, o que permite que elas se propaguem a ponto de gerar uma desconfiança concreta.
A necessidade de combater imediata e ativamente esse tipo de especulação gerou ações nos últimos dias.
Na última segunda-feira, a Corregedoria-Geral do Tribunal Superior Eleitoral deu um prazo de 15 dias para que qualquer autoridade pública que tenha relatado ou que venha a relatar a ocorrência de fraudes ou inconformidades no processo eleitoral brasileiro apresente as evidências. Paralelamente a isso, de modo combativo às especulações, em 18 de junho, a Rede Sustentabilidade protocolou um Mandado de Segurança (MS 38.005), perante o Supremo Tribunal Federal, no qual requer que seja determinada ao presidente da República a apresentação das provas da alegada fraude nas eleições de 2014 e 2018.
Essas são ações importantes, ainda que não haja como prever a suficiência dessas e de outras medidas que venham a ser adotadas para reduzir a já disseminada desconfiança sobre o processo eleitoral brasileiro. A estratégia de combater a desinformação, preenchendo o máximo de espaços possíveis com informação verdadeira, é fundamental.
Em tempos recentes, tem sido repetida a necessidade de separar fatos de mera opinião, ainda que a zona de incerteza que divide essas duas esferas muitas vezes parece ser excessivamente nublada. A diferenciação dessas duas frentes ocorre com a percepção de que as especulações e meras opiniões também repercutem na realidade.
A discussão sobre possíveis melhoras no sistema eleitoral não podem ser confundidas com ataques sistemáticos cujo intuito direto mais evidente é desconstruir a legitimidade do sistema democrático como um todo.
A preservação do que se tem solidificado e o resgate daquilo que tem sido corroído da confiabilidade constitucional brasileira são uma necessidade urgente, que deve envolver todas aqueles que se importam em viver em uma democracia.