Bemdito

A CPI da Covid e o contra-ataque bolsonarista

Em uma conjuntura cada vez mais acuada, de rejeição da opinião pública, Bolsonaro reage para inflamar a base ideológica mais fiel
POR Monalisa Soares
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

Em uma conjuntura cada vez mais acuada, de rejeição da opinião pública, Bolsonaro reage para inflamar a base ideológica mais fiel

Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com

Flancos importantes foram abertos na narrativa bolsonarista. Os depoimentos comprometedores na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid e os dados divulgados pela pesquisa Datafolha deram o tom das manchetes jornalísticas que evidenciaram uma semana bastante negativa para o governo. Na primeira semana de depoimentos da CPI, a pauta foi o debate sobre a defesa, por parte do governo federal, do uso de medicamentos que padecem de comprovada eficácia científica, com destaque para a cloroquina.

Já nos últimos dias, com os depoimentos do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, do ex-secretário de comunicação do Palácio do Planalto, Fabio Wajngarten, e do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, o tema dominante da CPI foi a imunização.

Foi perceptível o distanciamento e a contrariedade de Barra Torres em relação às posições do presidente. As declarações de Carlos Murillo indicaram 14 recusas do governo para a aquisição de vacinas, majorando as 11 contabilizadas anteriormente. Tudo isso, somado às imprecisões no depoimento de Fabio Wajngarten, revela a dimensão do potencial negativo dos depoimentos para o governo federal.

A emergência do tema da vacinação na CPI e o seu enquadramento negativo acendem um sinal de alerta para o presidente e os seus aliados. Afinal, este é um tema que toca sensivelmente a opinião pública e pode aprofundar o desgaste do governo. De acordo com pesquisa divulgada pela Exame/Ideia, diante da questão “O que mais gostaria que a CPI do Senado fizesse?”, a opção mais escolhida pelos/as entrevistados/as é: aumento no ritmo de vacinação (41%). Em segundo lugar, pede-se a identificação dos responsáveis pela má gestão da pandemia (32%). Os dados da pesquisa demonstram, portanto, o caráter inflamável que o tratamento do tema da imunização, pela CPI da Covid, pode verter na insatisfação diante do governo federal.

Além dos reveses da CPI, o presidente e os aliados também tiveram que lidar com a repercussão das pesquisas de avaliação do governo federal e de intenção de votos para as eleições presidenciais de 2022, do Datafolha. Ambas as sondagens não trouxeram boas notícias ao Planalto. De acordo com o instituto, a aprovação do governo Bolsonaro caiu ao patamar de 24%, com a rejeição subindo para 45%. Em relação aos cenários da disputa de 2022, a performance presidencial é modesta no primeiro turno (23%), quando comparada ao suposto principal adversário, o ex-presidente Lula (41%). Os cenários de 2º turno também apontam vitória com larga vantagem de Lula (55%) sobre Bolsonaro (32%).

Ainda que pesquisas sejam retratos de um momento particular, e não tenhamos como prever os efeitos ao final da CPI, destaca-se aqui o impacto dos eventos desta semana no sentido de desconcertar a narrativa bolsonarista e evidenciar o momento de vulnerabilidade que o presidente e os aliados vêm enfrentando na opinião pública. A meu ver, a maior evidência de fragilidade é a reação virulenta por parte do grupo governista, a qual detalho a seguir.

O primeiro aspecto dessa reação refere-se aos ataques promovidos contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL) na última semana, além das tentativas de colocar a CPI sob suspeita através de críticas ao trabalho do relator. Mais especificamente, é relevante destacar as intervenções da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no depoimento de Fabio Wajngarten. No dia seguinte, 13 de maio, o próprio presidente aderiu ao coro. Numa viagem a Maceió, em Alagoas, estado natal de Calheiros, Bolsonaro proferiu insultos contra o senador e também afirmou que o trabalho do alagoano na relatoria comprometeria o resultado da CPI.

Na mesma viagem – que foi acompanhada pelo presidente da Câmara dos/as Deputados/as, Arthur Lira (PP-AL) -, pudemos acompanhar outra linha de atuação da reação bolsonarista: pôr sob suspeita o sistema eletrônico de votação.

O argumento de que as urnas eletrônicas são passíveis de fraude e que somente o voto impresso poderia garantir a confiabilidade do processo eleitoral já compõe o repertório bolsonarista desde a disputa de 2018. Mesmo após sua vitória naquele ano, o presidente afirmou que o pleito em que foi eleito havia sido fraudado. Esse discurso, claramente orientado para sua base mais fidelizada, ganhou visibilidade institucional justamente na última semana, quando o bolsonarismo se viu tão acuado.

Refiro-me aqui à decisão de Arthur Lira de instalar uma Comissão Especial para discutir o Projeto de Emenda Constitucional (PEC), de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que pretende reimplantar o voto impresso no Brasil. Diante da decisão do presidente da Casa Legislativa, Bolsonaro afirmou: “O voto impresso tem nome. A mãe é a deputada Bia Kicis, lá de Brasília. O pai é o Arthur Lira. Instalou a comissão no dia de ontem [12 de maio]. Parabéns, Arthur! É um prazer estar do seu lado aqui”.

Em resposta, Lira afirmou que a discussão é relevante: “nós queremos votar e ter a certeza de que esse voto é confirmado da maneira como a gente colocou”. Já no dia 15 de maio, em um ato de apoiadores em Brasília, Bolsonaro mobilizou o argumento da fraude eleitoral para reagir aos dados da pesquisa Datafolha. Afirmou aos presentes que, sem a aprovação da PEC do voto impresso, Lula correria o risco de ganhar a eleição por fraude em 2022.

A mobilização dessa pauta num momento tão delicado tem um sentido óbvio e responde ao modus operandi de atuação do bolsonarismo até aqui: quando acuado, lança mão de ações políticas de alta performance, que acenam com o fito de animar ideologicamente a base mais fiel. Não considero isso cortina de fumaça, penso como a forma de ação política por excelência do grupo. Diante da ameaça, os bolsonaristas buscam ao máximo a fidelização dos apoiadores.

Neste caso específico, a ação compõe o repertório de contra-ataque em uma conjuntura que os tem acuado diante da opinião pública. É relevante observarmos, portanto, como se desdobrará o jogo, considerando que o tema da imunização deve continuar em evidência na CPI.

O que considero mais lamentável nesse episódio é o papel da presidência da Câmara, que, como já apontado nesta coluna, prioriza a discussão de temas completamente dissonantes das reais demandas da sociedade brasileira, desta vez cedendo palco para performances que colocam sob suspeição o processo eleitoral. No momento em que acumulamos mais de 430 mil brasileiros mortos pela Covid-19, em que o povo espera com urgência sofrida a chegada de vacinas, Lira escolhe estabelecer como prioridade a subserviência à agenda ideológica do bolsonarismo.

Monalisa Soares é professora da UFC e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.